Discernimento

‘Assim cada um de nós prestará contas a Deus de si próprio’ (Rm 14,12)

Um carpinteiro se colocou, um dia, a construir uma escada para poder chegar ao céu. Passou um vizinho, viu o homem a trabalhar e disse: “Podes me dar um pedaço de madeira?”. “Por que não?”, disse o carpinteiro, “tenho madeira o suficiente”. 

Depois, veio uma mulher e disse: “Com alguns pedaços dessa madeira da escada, eu poderia esquentar a comida para meus filhos”. O carpinteiro se comoveu e deu algumas parcelas dela para o fogão daquela mulher. 

Um mendigo necessitava fazer um cajado, pois suas pernas já não se sustentavam. Então, o carpinteiro o presenteou também com um fragmento de madeira envernizada. Vieram outros mais e, como o carpinteiro era generoso, distribuiu partes da sua escada. O carpinteiro sabia que o inverno era duro, que a miséria era tamanha e ele presenteava a todos com partes da sua escada. A alguns para consertar uma janela por onde entrava o ar frio, a outros para remendar alguma porta quebrada ou ainda para fazer brinquedos para que as crianças ficassem felizes e contentes.

“Não compreendo, minha escada é cada vez menor, e cada vez estou mais próximo do céu”, foi o que exclamou o carpinteiro, ao olhar para sua carpintaria. 

Irmãos e irmãs, a partir desta pequena história, gostaria de iniciar uma reflexão em relação a nossa abertura aos irmãos. O apóstolo São Paulo preparava-se para sua viagem a Roma, e, em sua distinta carta, ele trata de algumas tribulações existentes naquela comunidade. Em Roma, havia cristãos recém-convertidos do Judaísmo e, por conseguinte, seguiam as prescrições contidas no Antigo Testamento, tais como não comer carne de animais impuros, isto é, de animais sufocados em seu próprio sangue. Mas a maioria dos cristãos de Roma era oriunda do paganismo e, por isso, não conhecia o Primeiro Testamento e, por sua vez, não pensava que alguma carne comestível pudesse ser impura. A partir disso, surgiram conflitos dentro da comunidade cristã, os quais eram reflexos do choque entre o velho e o novo mundo que despontava com a proposta de Jesus. 

Nos versículos que se desdobram no capítulo 14 da Carta aos Romanos, dois princípios servem como referência: o primado da consciência e o amor fraterno baseado na inexistência de algo totalmente impuro. Nessa perspectiva, há uma primeira atitude que pode ser classificada como fundamental: Não julgar e não condenar. “Quem come de tudo não despreze quem não come, e quem não come não julgue aquele que come: pois Deus o acolhe igualmente” (Rm 14,3). 

O primeiro critério, do primado da consciência, que propõe São Paulo, é o de que cada um siga a sua convicção e sua consciência (cf. Rm 14,5), uma vez que é por ela que todos serão julgados diante de Deus, pois, como é indicado no versículo oitavo, o juízo corresponde única e exclusivamente a Deus, visto que vivos ou mortos, todos pertencem ao Senhor. 

O segundo critério, que se fundamenta na afirmação de que não existe algo impuro, recorda o versículo 14, que expressa claramente que, no Senhor Jesus, não há nada de impuro por si mesmo. De fato, é o ensinamento do Mestre: “O que vem de fora e entra numa pessoa não a torna impura; as coisas que saem de dentro da pessoa é que a tornam impura” (Mc 7,15). 

A partir dessa verdade cristã, a de que nada é impuro, é que São Paulo declara que se alguém acredita que algo seja impuro, é que isso se torna tão somente para o que assim julga (cf. Rm 14,14). De fato, o Apóstolo volta à verdade central do amor fraterno. Não é por questão alimentar que se pode entristecer alguém, pois ninguém é uma ilha no meio do oceano, mas todos vivemos ao lado de alguém a quem somos chamados a amar. Sim, somos chamados a agir com amor, a ser amor para com todos! 

A atitude de todo cristão reside, portanto, na busca da edificação mútua, no suporte aos fracos, face os nossos próprios caprichos (cf. Rm 15,1). E, assim, tal proposta de duplo critério que São Paulo propõe aos romanos deve ser também para todos nós, hoje. A vivência do amor e dos vínculos fraternos não deve se resumir à aparência, à virtualidade, mas à realidade concreta que se estende a todos. Do contrário, continuaremos vivendo no mundo velho, muito distante do projeto de Jesus e, assim, a escada, aquela da historinha, estará cada vez mais longe da altitude celeste. É o que nos recorda São Francisco de Assis, em uma de suas célebres frases: “Tome cuidado com a sua vida, talvez ela seja o único evangelho que as pessoas leiam”. 

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