Refletir sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é entender o contexto em que foi escrito e, ao mesmo tempo, olhar para o momento atual. Ao comemorar os 30 anos do ECA, a sociedade brasileira e o Estado percebem que avançaram na garantia dos direitos da pessoa, mas ainda há muito o que fazer.
Neste tempo de pandemia do novo coronavírus, percebemos a vulnerabilidade das políticas sociais de atendimento aos mais fragilizados: crianças em situação de acolhimento institucional (tanto em abrigos quanto por meio do Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes – Saica –, da Prefeitura de São Paulo), adolescentes em conflito com a lei, crianças e adolescentes em situação de rua, extermínio de jovens, sobretudo nas metrópoles.
Sabemos que, antes do ECA, a situação das crianças e adolescentes era bem pior, o que incluía, inclusive, a mortalidade infantil e a violência contra a juventude. Na década de 1980, diferentes forças da sociedade civil se mobilizaram para dar uma resposta a essa triste realidade. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Movimento Meninos e Meninas de Rua, a Pastoral do Menor, a Pastoral da Criança e diversos segmentos da Igreja se empenharam, com consciência e responsabilidade, na defesa da criança e do adolescente. Em São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns e Dom Luciano Mendes de Almeida, diversos religiosos e leigos se articularam com juristas, intelectuais, pastoralistas e instituições na construção do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Para alguns sociólogos e especialistas, a Campanha da Fraternidade de 1987, com o tema “Quem acolhe um menor, a mim acolhe”, foi a grande força mobilizadora na construção do ECA. Desta forma, o Estatuto é uma lei pensada por vários segmentos sociais que procuraram fazer juntos uma reflexão sobre as normas que deveriam compor o conteúdo do ECA e, por isso, uma lei escrita por muitas mãos.
O ECA é uma lei que escutou as crianças e adolescentes, seus destinatários. Esta é a sua principal força. É mais do que uma lei, é um projeto de sociedade que visa a defender os mais fragilizados e praticar a justiça. Ele traz no seu interior uma experiência democrática, que busca dar meios e condições para que o Estado e a sociedade protejam os jovens. Nessa luta, destaca-se a Igreja, que sempre teve e terá um compromisso com a vida e com a proteção dos mais pobres e vulneráveis, entre estes, as crianças.
As encíclicas Laudato si’ e Fratelli tutti, do Papa Francisco, destacam a ética do cuidar, a prática da solidariedade e da proteção, especialmente das crianças. Apesar de tantos esforços, inclusive da comunidade internacional e brasileira em firmar políticas de direitos humanos, ainda há milhões de pessoas, entre elas crianças e adolescentes, que são vítimas de diferentes práticas de violência, desrespeito e abusos (Fratelli tutti, 24, 29, 261).
Defender a vida é missão da Igreja e de toda a sociedade. Não podemos nos omitir em qualquer situação em que crianças e adolescentes estejam sofrendo maus-tratos e desrespeito de seus direitos de pessoa: “Que todos tenham vida, e vida em abundância”. O espírito do ECA é o do fortalecimento da convivência familiar e comunitária, do reconhecimento do protagonismo de cada pessoa. O ECA ensina-nos que toda criança tem direito a um espaço educativo, uma família e um lugar para habitar. Bem o contrário do que muitos pensam e divulgam.
Celebramos os 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente como o resultado de uma grande luta na garantia de direitos. É preciso que continuemos a lutar para colaborar na construção de uma política que nos leve à paz social (Fratelli tutti, 217). Continuemos acreditando nas crianças e adolescentes como sujeitos de direitos: educação, lazer, proteção, liberdade, de convivência familiar e comunitária.