Não temos a palavra criadora

O livro do Gênesis nos diz que Deus tirou tudo do nada. E que a única ação realizada para tal feito foi pronunciar palavras que expressavam sua vontade de criar. Ainda no Antigo Testamento, mais propriamente o profeta Isaías dirá que, assim como a chuva que cai do céu não volta para lá sem ter irrigado o chão, também a Palavra de Deus não volta para Ele sem ter realizado o seu propósito.

O Evangelho segundo São João nos dirá que a Palavra se fez carne e veio habitar entre nós. Assim, contemplamos na Palavra de Deus não apenas a eficácia da realização das coisas, mas também a sua potência criadora. Quando hoje discutimos tanto sobre as teorias a respeito do começo de tudo, especialmente as contribuições da teoria da evolução, não nos damos conta de que existe uma certa contradição nessas ideias quando elas pretendem substituir a teoria da criação. Isso porque, na base da própria ciência está o princípio da causalidade, isto é, as coisas não acontecem sem que haja uma causa eficaz que faça com que elas aconteçam. Assim, explicar como as coisas aconteceram não é o mesmo que entender o porquê de acontecerem. Se nada aconteceu, então, a tendência seria de que nada acontecesse.

A criação, por mais fantasiosa que possa ser descrita por alguns, é a ideia mais lógica que se pode ter sobre a existência de tudo. Do nada não vem nada. E é por isso que existe Ciência: porque o ser humano é capaz de estudar e entender as causas. Uma outra evidência disso é a constatação de que o ser humano, por mais que seja capaz de construir e realizar as coisas, na verdade nunca está realmente criando nada. Está apenas transformando. Até no mundo da criação artística.

Certa vez, um compositor famoso disse ter estado por muito tempo ouvindo o canto de um pássaro e, nesse momento, achou a melodia do animalzinho tão parecida com uma música que tinha composto no passado que já não tinha certeza se tinha criado a música ou se tinha sido influenciado pelo próprio inconsciente com uma cantiga já escutada. Mesmo os artistas podem ser estudados na sua arte e sempre se pode constatar as influências e o contexto de sua “criação”. Mas, infelizmente, o ser humano tem uma capacidade inquestionável que precisa ser tanto conhecida quanto controlada. Somos capazes de destruir! Já sabemos que nosso potencial bélico é suficiente para extinguir a vida na Terra. E, por ironia, é possível até destruir a vida sem destruir as cidades onde vivemos.

Para além das ruínas das antigas civilizações que deixaram de existir, junto com suas cidades, poderemos, um dia, ver ruínas de civilizações cujas cidades continuam de pé. Seria interessante se não fosse trágico! Por isso, essa reflexão é importante. Nem tudo que somos capazes de fazer devemos realmente fazer. Não é porque somos capazes de avançar nas nossas mídias e inteligências artificiais que deveríamos realizar todo o nosso potencial imaginativo. Porém, vivemos sempre à espreita do medo de que, “se um não fizer, outro o fará”. Então, o resultado é que brincamos de Deus o tempo todo. Certa vez, ouvi uma reflexão interessante a respeito de um clássico da literatura no qual se observava que Frankenstein, no romance de Mary Shelley, não era o nome do “monstro” criado pelo cientista, mas o nome do próprio cientista. A referência era de que, talvez, o “monstro” não fosse a “criatura”, mas aquele “criador”.

Agora, voltando à palavra criadora de Deus, não podemos esquecer que, depois de criar cada coisa, Deus viu que era bom. Foi possível, portanto, contemplar sua própria bondade nas coisas que criou. Em resumo, se não temos a palavra criadora, seria bom que, pelo menos, não tivéssemos a palavra destruidora. Seria tão importante que o ser humano não passasse para a história do mundo como o opositor de Deus Criador. E, se é verdade que foi criado à imagem e semelhança de Deus, então o ser humano precisaria realizar não somente sua capacidade de transformar, mas deveria, principalmente, distinguir-se por sua capacidade de transformar-se conforme a imagem do seu Criador. Isto é, não apenas imitar a Criatividade Divina, mas, sobretudo, imitar a sua Bondade.

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