O amor jamais acabará

É comum ouvirmos pessoas que se separaram no Matrimônio dizerem que o motivo da separação foi que “o amor acabou”.

Também é comum algumas pessoas citarem o “hino da caridade (amor)”, da Primeira Carta de São Paulo ao Coríntios (1Cor 13,1-13), aquele que fala que “ainda que eu falasse a língua dos anjos, se não tivesse amor eu nada seria…”, como sendo uma ode a um amor sentimental, próprio dos apaixonados. O problema é que tratando do amor apenas como um sentimento, acabamos por desfigurar o ensinamento cristão, que trata do amor não como algo que sentimos, mas como uma atitude, uma decisão, uma escolha.

Se pensarmos bem, se o amor pregado por Jesus fosse apenas um sentimento, como é que poderia se tornar um mandamento? Pelo menos, foi isso que Jesus disse na Última Ceia: “Eu vos dou um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros. Assim como eu vos amei, também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13,34). Como é que alguém poderia mandar que o outro sentisse alguma coisa? Pois o Papa Francisco, na exortação apostólica pós-sinodal Amoris laetitia, que trata sobre o amor na família, no capítulo IV, n.s 90-119, enfatiza uma parte do hino à caridade que não costuma ser muito citada poeticamente como a outra parte. Lá se diz: “O amor é paciente, o amor é prestável; não é invejoso, não é arrogante nem orgulhoso, nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, nem guarda ressentimento, não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Cor 13,4-7). Nesse trecho, parece que São Paulo explica qual é a natureza do amor que ele diz que jamais acabará (1Cor 13,8). No fundo, o amor aqui é a personificação daquele que ama. E esse amor parece ir na direção contrária ao que um ser humano pode apenas sentir. Daí faz sentido o que Jesus disse no Sermão da Montanha: “Ouvistes o que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo’. Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem!” (Mt 5,43-44).

Então, esse amor é uma decisão. E, só por isso, pode se tornar um mandamento. Não é apenas um sentimento. No casamento, a paixão necessariamente passa. Mas, então, o amor deve prevalecer. Lembro-me de uma falecida professora minha, do ginásio! Poucos dias antes de sua morte, fiz-lhe uma visita. Ela me falou de suas esperanças e de seu medo. Mas, também me contou uma experiência de vida. Ela me disse assim: “Sempre achei que, na minha vida, eu podia dar testemunho de bom exemplo em quase tudo que eu fiz. Sempre fui boa amiga, boa mãe, boa filha, boa paroquiana, boa professora. Porém, achava que eu nunca poderia dar um testemunho de casada! Sempre fui boa esposa, mas achava que não podia dar testemunho de casamento por causa do meu marido. Ele sempre foi muito desligado, calado, pouco carinhoso, meio relaxado, gosta de uma bebida, não vai à Igreja etc. Mas, agora que fiquei doente, ele está sempre ao meu lado, não deixa que a cuidadora me ajude nas coisas mais pessoais, como o banho, ele mesmo vem fazer essas coisas. Acompanha-me em tudo, já brigou com o médico que me falou muito friamente que o tumor tinha ido para minha cabeça e que precisava abri-la. Quando me viu chorar, ele se revoltou com o médico. No dia em que me viu chorar porque tinha pedido ao padre que me mandasse um ministro para que eu comungasse todos os dias, e a comunhão parou de vir, ele saiu e foi à igreja, não sei o que disse ao padre, mas a comunhão nunca mais faltou. Então, eu sempre pensei que pudesse dar testemunho de tudo na minha vida, menos de casamento, por causa do meu marido. Hoje, depois dessa doença, posso dizer que, se existe um testemunho que posso dar na minha vida é o do casamento, por causa do meu marido. Eu me casei de verdade! E ele também!”.

A paixão tinha passado havia muito tempo, mas ela descobriu o amor de seu marido. E descobriu que tinha valido a pena ter suportado tudo. Poucos dias depois dessa visita, ela faleceu. Eu era ainda seminarista, mas guardei essas palavras com a intenção de, sempre que puder, dar o testemunho que ela gostaria de dar. O amor jamais acabará! Porque tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

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