O Bom Samaritano

“Certo homem descia de Jerusalém para Jericó.” Assim começa a parábola do Bom Samaritano contada por Jesus para esclarecer um especialista da Lei que lhe perguntou: “Quem é o meu próximo”. 

É uma parábola sem palavras, mas rica em gestos que revelam pessoas marcando posição diante de um fato. Na estrada está um homem caído, sem roupa, ferido, semimorto, vítima de assaltantes. Primeiro surgem dois homens que pertencem à religião oficial de Jerusalém, um sacerdote e um levita. Eles viram o homem no chão, mas mudaram de calçada e seguiram o caminho. O mais importante era chegar “puro” ao templo para tomar parte da liturgia do culto. São pessoas piedosas, praticam o culto e a liturgia, mas se mostram insensíveis e indiferentes às pessoas vulneráveis e necessitadas encontradas pelo caminho. Para estes, Deus está trancado no templo, e basta este lugar para viver a religião. 

O terceiro personagem está viajando e, diferentemente dos dois primeiros, aproximou-se do homem caído, encheu-se de compaixão, tratou as feridas, colocou-o no seu animal e o confiou aos cuidados de outra pessoa que tinha condições de oferecer um tratamento melhor. Não tinha as credenciais religiosas do sacerdote e levita, muito pelo contrário, era um samaritano considerado herege pelos religiosos da época. Segundo ele, Deus está no caminho e se identifica com um homem machucado que precisa ser cuidado.

Diante da posição de cada personagem, o especialista em Lei é convidado a dar a sua opinião sobre quem foi próximo do homem caído na estrada: “Aquele que o tratou com misericórdia”. O foco mudou não mais sobre quem está caído, mas sobre o que fazem as pessoas que passam, pois “existem simplesmente dois tipos de pessoas: aquelas que cuidam do sofrimento e aquelas que passam ao largo; aquelas que se debruçam sobre o caído e o reconhecem necessitado de ajuda e aquelas que olham distraídas e aceleram o passo. De fato, caem as nossas máscaras, os nossos rótulos e os nossos disfarces: é a hora da verdade. Debruçar-nos-emos para tocar e cuidar das feridas dos outros? Abaixar-nos-emos para levar às costas os outros”? (Francisco, Fratelli tutti, 70).    

No caminho da vida, em diversas ocasiões, éramos nós que estávamos caídos, feridos e machucados e quantos não foram os que derramaram óleo e vinho em nossas feridas e nos encheram de afeto, tiveram compaixão de nós. No caminho de Jerusalém para Jericó e no caminho de toda a humanidade, é Jesus o samaritano que desce do céu para curar nossas feridas, aliviar nossas dores e nos carregar nos ombros com peso de Cruz. 

 Ter o conhecimento da Sagrada Escritura que alimentou o coração do especialista em Leis é necessário, mas não o suficiente. Zelar pelo culto e celebrar com a devida dignidade como costumavam fazer os sacerdotes e levitas também é importante, mas também insuficiente. Palavra, ritos litúrgicos, sacramentos devem provocar em nós sentimentos de compaixão diante de tantas pessoas submetidas a uma vida desumana. E compaixão foi o que sentiu Jesus quando viu pessoas famintas e as alimentou, cegas e lhes devolveu a visão, angustiadas e abandonadas e começou a ensinar muitas coisas.  

“Vai e faça o mesmo”, diz Jesus ao especialista em Leis e a cada um de nós. Recebemos de Jesus a missão de tomar nos ombros a humanidade machucada e de Francisco de sermos uma “Igreja em saída” renunciando à própria comodidade para alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho, tocando a carne sofredora de Cristo no povo.

Por fim, lembro-me do dono da pensão que aceitou dois denários e viabilizou a continuação da viagem do samaritano, que soube chegar e desaparecer na hora oportuna sem deixar nome e endereço. Não fosse isso, tudo não passaria de uma “solidariedade paliativa” que não resolve o problema e pode criar dependências. Mais denários (investimentos) para o Sistema Único de Saúde (SUS), pois essa “pensão” tem sido a salvação de milhões de feridos encontrados nas sarjetas do nosso país, também “ferido”.

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