O ‘Tempo da Criação’

Em setembro, as paróquias e suas comunidades tradicionalmente procuram aprofundar e contemplar mais intensamente a Palavra de Deus, com catequeses inspiradas em um livro da Bíblia. Nesse período, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) também deseja impulsionar as ações decorrentes do “Pacto pela Vida e pelo Brasil”, que visa a manter acesa a esperança dos brasileiros em meio aos desafios atuais, e certamente abarcará questões ligadas à ecologia. Na comemoração dos cinco anos da encíclica Laudato si’, a defesa da casa comum é cada vez mais urgente.

Noticiou-se que, em 22 de agosto, se comemorou o Dia da Sobrecarga da Terra neste ano. Essa data, assim denominada, assinala que o sistema de produção e consumo global utilizou em excesso e com antecipação os recursos naturais do planeta destinados para um ano – no caso, com quatro meses de antecedência –, comprometendo a sustentabilidade da casa comum.

Os recursos utilizados a partir do dia 22 do mês passado podem ser entendidos, em analogia, à entrada de alguém nos recursos oferecidos por seu cheque especial. A exemplo de uma pessoa que faz tal uso e pode ficar sem dinheiro para honrar o empréstimo contraído, o planeta vai se exaurindo e perde a capacidade de gerar recursos materiais para continuar a ofertar o que a sociedade necessita dele.

Dizem os estudiosos do assunto que o fato tem ocorrido ano após ano, desde 1987, quando a sobrecarga foi registrada em 19 de dezembro. De lá para cá, o dia em que a humanidade adentrou nos recursos excedentes ao que poderia dispor para o ano tem encurtado. Em 2019, ocorreu em 29 de junho. Neste ano, a crise em decorrência da pandemia o prolongou um pouco.

Na Laudato si’, o Papa Francisco propõe uma abordagem ecológica, a partir da proposição de que tudo está interligado, como o cuidado do planeta e o cuidado dos pobres. No início de fevereiro deste ano, o sucessor de Pedro ofereceu outro documento nesta linha, a exortação apostólica pós-sinodal Querida Amazônia, conclamando os fiéis à busca de novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral, sobretudo no contexto da grande região amazônica.

Este tempo de pandemia tem realçado a interligação entre tudo, pois todos sofrem da mesma moléstia e suas consequências, e o combate exige ações coordenadas e o esforço de todos. E, como disse o Papa, naquela tarde sombria e chuvosa em Roma: “Como viver são em um mundo doente?” É preciso reparar os laços rompidos para a vida florescer na sua potencialidade. Em contrário, o futuro, em vez de acalentar esperanças, inspirará calafrios. Existem, porém, sinais e propostas concretas para potencializar o cuidado da natureza e dos mais vulneráveis da sociedade, como o “Tempo da Criação”.

O “Tempo da Criação” é um chamado ao cuidado da casa comum. Essa celebração tem suas origens no ano de 1989, dois anos após a percepção de que a humanidade já estava retirando do planeta mais do que este pode oferecer. O então Patriarca Ortodoxo Dimitrios I proclamou o 1º de setembro como um dia de oração pela criação. A Igreja Ortodoxa, nessa data, inicia o seu ano litúrgico voltado para Deus Criador, quando o louva pela dádiva da criação do mundo e reza pela criação. O “Tempo da Criação” estende-se até o dia de São Francisco (4 de outubro), e convida à reconciliação, especialmente dos cristãos com o Criador de tudo, e à conversão, em vista de ações de cuidado pelo que Ele chamou à existência.

Em virtude da adesão de várias Igrejas cristãs, o “Tempo da Criação” tem se tornado um belo momento ecumênico. O Papa Francisco manifestou a adesão da Igreja Católica a essa ação em 2015, e no ano passado escreveu: “Este é o tempo para voltarmos a nos habituar a rezar imersos na natureza”, e pediu “que orientem o planeta para a vida, em vez de o lançar para a morte”.

Essa consciência tem crescido paulatinamente na sociedade. No entanto, se não bastasse a retirada de recursos além de sua capacidade regenerativa, o planeta também tem sido sistematicamente agredido por queimadas, desmatamentos, poluição do ar e das águas, com a falta de saneamento e cuidados com as nascentes, com a extinção de espécies animais e vegetais etc. Tais ações, nascidas da volúpia do lucro e do consumismo, se esquecem que sem ecologia não há economia nem futuro, e contam com a complacência de leis e governos.

Diante de tais atentados contra a vida, especialmente neste País, torna-se imperativo conjugar a fé cristã, fortalecida e iluminada pela meditação da Palavra de Deus, com a sustentabilidade da casa comum. O “Tempo da Criação” vem oportunizar às comunidades dos discípulos missionários um momento para driblar criativamente as limitações próprias da pandemia e, assim, contribuir para que o “Pacto pela Vida” abarque o cuidado da bela e abundante natureza deste território, dádiva do Criador.

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