Odisseia é o poema de Homero que conta a volta de Odisseu (Ulisses, na tradução latina) para a sua ilha, Ítaca, onde havia deixado sua mulher, Penélope, e seu filho, Telêmaco, de um mês de idade, para ir à Guerra de Troia. A guerra durara dez anos e a volta, por incrível que pareça, demorou 17 anos. O motivo dessa longa duração do retorno se encontrará em diversos acontecimentos, naturais ou míticos, que colocarão em evidência a astúcia do herói, que conseguiu voltar para a casa, mas também seus limites, já que não impediu que os obstáculos lhe impusessem o retardamento de sua volta.
Essa demora causou também consequências na ordem de seu reino. Sua esposa Penélope acreditava na volta de seu rei e marido, mas era pressionada por um grupo de pessoas que queria tomar o poder. Esse grupo dizia que Odisseu estava morto e que ela deveria se casar com um dos pretendentes ao cargo de rei. Por causa dessa pressão, Telêmaco, o filho, saiu à procura do pai com alguns companheiros, procurando rastrear os passos de Odisseu.
Se, de um lado, Odisseu era retardado involuntariamente na sua volta, de outro lado, Penélope tentava ganhar tempo. Ela prometeu aos pretendentes coser um tapete: se o rei não retornasse antes do seu acabamento, ela escolheria um pretendente. Ela cosia o tapete durante o dia e, à noite, o descosia, para poder ganhar mais tempo, na esperança de que o rei retornasse. A questão, portanto, estava em que a demora de Odisseu poderia selar a perda de tudo o que possuía, enquanto para Penélope, a demora na confecção do tapete poderia dar a esperança de não pôr tudo a perder. É assim que nos vemos diante daquelas coisas em nossa vida que não se realizam dentro do tempo previsto, mas que vão se retardando por causas indesejadas. O tempo pode ser nosso amigo quando colabora com a gente, mas também pode ser nosso amigo quando não corresponde à nossa expectativa.
Outro dia, estava voltando para São Paulo pela rodovia. Tinha compromissos. Devia ter saído mais cedo: nunca sabemos quanto tempo o trânsito nos pede em troca do conforto de nossos carros. Em São Paulo, Odisseu teria uma odisseia para cada dia! A razão de ter saído com o tempo contado era que tinha assumido uma missa para algumas religiosas que trabalham em um hospital. Deixei para tomar o café da manhã na estrada. Parando num pequeno estabelecimento, encontrei uma senhora e uma jovem abrindo o restaurante. Pedi o que pretendia comer, mas em pouco tempo fiquei arrependido de ter parado. A jovem começou a preparar as coisas muito devagar. A senhora a seu lado não ajudava. Comecei a pensar que meu compromisso se atrasaria por causa daquela lentidão. Internamente, comecei a ficar irritado, mas procurei me conter. Em todo caso, fiquei me remoendo por dentro. Pensei em cancelar o pedido, mas a menina já tinha começado a preparar as coisas. Porém, meu sentimento interno mudou repentinamente por um gesto muito simples daquela jovem. Enquanto eu tomava o lanche, ela se virou para mim e perguntou: “Está gostoso?” Eu respondi que sim e, então, ela abriu um largo e belo sorriso maravilhoso. Era uma jovem reservada, bela, pelos traços e pela juventude. Mas, o seu sorriso de contentamento era indescritível. Retomei o caminho levando comigo uma alegria e uma paz. Fiquei contente comigo mesmo por ter me contido. Considerei-me premiado pela alegria que ela deixou escapar naquele momento.
Penso que o ser humano pode descobrir o caminho para Marte e construir uma nave capaz de levá-lo até lá; pode ir até as profundezas da Terra ou do mar; mas acho que nunca encontrará um caminho tão curto e rápido para dar sentido às suas viagens desta vida e, principalmente, aos atrasos do percurso, como os gestos amorosos que pode encontrar nesses mesmos atrasos. Acho que esses gestos podem ajudar a escrever uma pequena odisseia do amor.