Quando os olhos se abrem (Lc 24,13-35)

Como é que dois discípulos caminharam pessoalmente com seu mestre, conversando com ele, sobre os acontecimentos de suas vidas, falando sobre ele, e não conseguiram perceber que falavam com ele? Foi o que aconteceu com os discípulos de Emaús. No entanto, embora possamos nos incomodar com o que lemos no evangelho de São Lucas, essa mesma realidade nos atinge também. O ser humano, ainda que não se dê conta disso, muitas vezes se impressiona mais com o que parece apenas simbólico e menos com o que se ouve e discute.

Somos seres simbólicos e leitores de símbolos. O que muda a nossa vida não é apenas o que pensamos ou sentimos, mas, também, as coisas e gestos que nos falam por representação. Nem mesmo a presença ou a conversa sobre Jesus foram suficientes para fazer os discípulos de Emaús se convencerem de que Jesus estava vivo. Mas, tudo mudou quando o viram partir o pão.

Se lembramos de nossas histórias passadas, sobretudo na infância, somos capazes de recordar inúmeros sinais que tiveram o mesmo efeito na nossa vida. De quantas lembranças que nos unem a um significado maior podemos nos dar conta? Algumas coisas nos recordam pessoas. E as pessoas nos fazem trazer de volta inúmeras vivências. Quando percebemos isso, as demais preocupações se tornam irrelevantes também.

Para quem estava deixando o grupo dos discípulos, em razão da decepção com o acontecimento da morte de Jesus, voltar de repente parecia a coisa mais improvável. Mas, para quem descobriu que Jesus estava vivo, voltar para Jerusalém parecia a única coisa possível. E nossas recordações passadas, quando nos trazem também algum sentido para nossa história pessoal, fazem-nos mudar de postura e de direção: talvez os ensinamentos de nossos pais, o conselho de algum amigo, algum abraço, qualquer presente recebido, quem sabe um lugar onde vivemos coisas importantes etc.

Quantas coisas podem nos fazer pensar sobre a direção que estamos seguindo e a possibilidade de tomar outro rumo. Quem sabe a Eucaristia e nosso imaginário ou memória pessoal possam trazer à tona momentos em que a Santa Missa foi importante para nós no passado. O dia da primeira Comunhão parece ter marcado a vida da maior parte das pessoas. Para muitos, o dia em que foram crismados marcou um momento de tomada de decisão, de retorno para Deus. Quem sabe também nós tivemos momentos em que o partir do pão, na recordação do sacrifício do Calvário, nos fez enxergarmos o que a Palavra de Jesus nos falou, do encanto de sua presença e de sua releitura dos acontecimentos de nossa história pessoal. Em outras palavras, será que a Eucaristia também marcou a nossa vida, assim como aconteceu com os discípulos de Emaús? E, como consequência disso, será que estamos dispostos a mudar a direção que estamos seguindo?

A história dos discípulos de Emaús pode ser lida como uma metáfora da nossa vida. Se formos capazes de entender a mensagem por trás da representação, seremos capazes de pensar melhor e refletir sobre a vida. Ou, quem sabe, apesar de não entenderemos nada, a simbologia nos falará mais do que as palavras falaram e os sinais nos farão sentir mais coisas do que as sensações e emoções que sentimos quando as coisas aconteceram do jeito que queríamos e entendemos ou do jeito que não gostaríamos que tivessem acontecido.

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