Gosto de ler os escritos do profeta Isaías. Suas palavras poéticas chegam até nós de uma forma tão adorável que vão entrando pelos olhos e ouvidos e descem ao coração como aviso, denúncia, chamada de atenção e, também, de doçura para o cotidiano de nossas vidas, nos desafiando a um comportamento novo e um novo jeito de entender a vida. A perícope do 5o Domingo do Tempo Comum indica três verbos que são determinantes para a ação humana: repartir, acolher e cobrir, e aponta pessoas concretas a serem beneficiadas por gestos tão nobres: pobres, indigentes, peregrinos, famintos… Ainda mais, pede para destruir os “hábitos autoritários e a língua maldosa”. Modelados por esta “poesia profética”, podemos recomeçar todos os dias numa dinâmica que culminará com o brilho da luz de Deus a clarear como o sol ao meio-dia. Creiamos nisso.
Belo também é o Salmo 111, um hino à caridade e ao bem. Nele, é apresentada uma expressiva lista de qualidades de quem sabe praticar o amor: correto, compassivo, prestativo, carinhoso, reto e justo. São pessoas de um equilíbrio admirável que vão permanecer para sempre na memória do povo, por isso o Salmo não economiza em elogios: “sua lembrança permanece eternamente… permanece para sempre o bem que fez”.
O apóstolo Paulo nos diz que isso está ao alcance de todos. Não é preciso ter algum dom extraordinário para realizar as obras de Deus em benefício das pessoas. Ele testemunha dizendo que sua palavra nada tinha de elevada e sentiu receio e fraqueza, mas viu em tudo o poder de Deus se manifestar de modo extraordinário.
No Evangelho, Jesus apresenta duas imagens que traduzem muito bem o modo correto de se comportar: sal e luz. “Eles, no entanto, são desdobrados em tantos outros que ganham, igualmente, muita relevância no conjunto: cidade, monte, candeeiro, casa. É como se Jesus nos indicasse que nossa ação deve ser na direção do mundo inteiro, dos altos e baixos, da cidade e da casa” (Prof. Altamir Célio de Andrade).
O sal é um dos minerais mais simples, no entanto imprescindível para nossa alimentação. No tempo de Jesus, eram usados blocos de sal para revestir por dentro os fornos de pão. Conseguia-se, assim, conservar o calor para o seu cozimento. Com o tempo, este sal ia perdendo a capacidade térmica e precisava ser substituído. Os restos das placas retiradas eram utilizados para compactar a terra dos caminhos, por isso “não servirá para mais nada, senão para ser jogado fora e ser pisado pelos homens” (cf. Mt 5,13).
O sal é útil quando entra em contato e se dissolve nos alimentos, dando sabor ao que comemos e os preservando para que não se estraguem. Ele deixa de ser o que é para que o outro seja melhor. Assim deve ser o discípulo do Senhor.
A luz não pode ficar escondida em uma vasilha, mas colocada em um candeeiro para iluminar a casa inteira. O candeeiro não é para que os outros nos vejam, mas para que a luz de nossas vidas se espalhe e desperte a “faísca de luz” presente no coração de cada pessoa. Quanto mais luz emergir de dentro de nós, mais brilhante será o mundo em que vivemos. Pelo fato de ser benfazeja e criadora, ela nos permite dizer com o poeta Thiago de Mello, no meio de impasses, ameaças e conflitos que pesam sobre nossa vida: “Faz escuro, mas eu canto” (Padre Adroaldo Palaoro).
Por meio do profeta, do salmista, do Apóstolo e do Senhor Jesus, vimos que não podemos ser simples observadores do sofrimento alheio. Desde já, pensemos na proposta da Campanha da Fraternidade que fala sobre a fome. Já é a terceira campanha com este tema. Será que a realidade da pobreza ainda não nos incomoda o suficiente para deixarmos de ser meros espectadores?