Logo do Jornal O São Paulo Logo do Jornal O São Paulo

Fantasia, Fé e Cultura 

 Parece que quanto mais nossa sociedade se esforça para banir o religioso, em suas múltiplas manifestações, mais ele retorna aos nossos corações – mesmo que de formas bastante diversas. Assim, histórias fantásticas, com seus universos imaginários, cheios de magia, maravilhas da ciência e criaturas sobrenaturais, passaram a fazer parte do entretenimento de crianças e adultos. Quase todas as maiores bilheterias do cinema, na atualidade, referem-se a filmes de ficção científica, super-heróis, bruxos e temas similares. 

Poucos se dão conta, porém, de que nas raízes desta popularização da literatura fantástica estão dois autores cristãos, que retrataram em suas obras uma visão de mundo fortemente cristã: J.R.R. Tolkien e C.S. Lewis. E mesmo entre as confusões de nossa cultura, tão plural quanto desorientada, pululam imagens cristãs – que poderíamos chamar de arquetípicas, tão entranhadas que estão no coração de todos os seres humanos: a doação de si até o sacrifício, a pureza cristalina do amor, as amizades que são para sempre, o mestre que orienta o discípulo. 

Nem tudo é ideal. Anti-heróis egoístas e amorais, erotização desenfreada, a consagração do individualismo, discursos virulentos contra as religiões também estão presentes nestes universos de fantasia. Talvez o risco maior, por ser o menos evidente, é aquele de banalizar o fenômeno religioso, camuflando a sede de Deus que está na origem de todo impulso humano rumo ao bem em meio a situações imaginárias e falsas. 

Apesar disso, a literatura fantástica, quando bem compreendida, pode ser vista como uma jornada pela alma humana, revelando tanto armadilhas quanto virtudes e valores. Pode servir como uma “fuga da realidade”, uma catarse momentânea que nos ajuda a viver o vazio, tão opressivo quanto banal, do cotidiano, mas também pode ser aquele momento em que nos libertamos deste vazio, para readquirirmos a consciência de que, por trás da superficialidade e da banalidade, se esconde um grande Amor que faz com que a vida valha a pena ser vivida. 

Bem encaminhados, os jovens – com a curiosidade aguçada por filmes e desenhos animados – irão conhecer também os livros que lhes deram origem. De fato, grande parte dos livros mais vendidos hoje em dia tiveram essa origem. Não se trata de uma ilusão que quer resgatar algum valor onde não existe nenhum, mas o reconhecimento de um trabalho bem-feito, por meio do qual muitos educadores e editores conseguem afastar os jovens do vício das telas, não pela censura ou pela proibição, mas pela educação que sabe valorizar a beleza, a imaginação e “as histórias que realmente importam”, como Sam Gamgee diz para Frodo Baggins em um dos filmes da série O Senhor dos Anéis

Devemos reconhecer que o diálogo entre a experiência cristã e a literatura fantástica é sempre complexo. Justamente por trazer elementos cristãos misturados a outros não cristãos, e até anticristãos, exige sempre um bom discernimento, principalmente quando acompanhamos os mais jovens. Mas a complexidade nem sempre implica dificuldade. Boas soluções são mais simples do que parecem! 

A raiz do discernimento não reside em complexas análises conceituais e críticas à ideologia. O discernimento começa com o testemunho. Um religioso hipócrita e opressor não parecerá crível para quem descobriu a beleza da vida e do amor dentro de uma comunidade cristã! Anti-heróis cínicos e egoístas parecerão falsos para quem conheceu pessoas santas que se sacrificam pelo bem dos demais. A erotização excessiva poderá até parecer atraente, mas incapaz de realizar um jovem que vive em meio a uma comunidade de jovens sadios. 

O segredo não está em enumerar os erros. Nunca conseguiremos listar todos! O segredo é mostrar sempre a beleza e a verdade, estimular os jovens a conhecerem sempre mais “as histórias que realmente importam”, a viverem as amizades que podem sustentá-los na caminhada rumo a Deus. 

Deixe um comentário