Pandemia e preservação do meio ambiente

Uma série de agências internacionais, particularmente ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), está preocupada com o desmonte sistemático de algumas políticas públicas por parte do governo brasileiro. Desmonte, descaso ou inércia predominam quando se trata, por exemplo, dos povos indígenas, das comunidades quilombolas, dos ministérios da Educação e da Saúde ou da secretaria da Cultura. O maior temor, porém, recai sobre a forma como o atual governo vem tratando a questão do meio ambiente em termos gerais, e da Floresta Amazônica em particular.

Tornou-se notório, hoje em dia, que a derrubada das florestas, a poluição do ar e das águas, a extração e uso indiscriminado de certas matérias-primas, a desertificação do solo, o aquecimento global, a destruição do habitat de numerosas espécies da fauna e da flora são fatores, entre outros, que contribuem poderosamente para um maior convívio entre animais selvagens e seres humanos. E isso tudo, por sua vez, abre possibilidades para a disseminação de novos vírus (ebola, zika vírus, coronavírus etc.).

A Doutrina Social da Igreja (DSI), sempre atenta aos desafios sociais, econômicos e históricos, alerta para os riscos que a humanidade corre na sua relação com a natureza. A esse respeito, o Papa Francisco, na encíclica Laudato si’ (2015), chama a atenção para o sistema econômico globalizado em que vivemos. Sistema que usa e abusa dos recursos naturais e da mão de obra humana, depredando e devastando o solo em busca de maior riqueza, produzindo com isso inumeráveis refugiados climáticos, lado a lado com a multidão de trabalhadores “descartáveis”.

Diante disso, convém revisitar o conselho de um dos maiores Padres da Igreja: “Quanto a ti, come e bebe tranquilamente, mas não pises os pastos, nem turves as águas” (cf. “Sermões de Santo Agostinho”, século IV). “Pisar os pastos” e “turvar as águas” são expressões válidas para denunciar o que vem fazendo uma economia que tem como motor o lucro e a acumulação de capital. Tal obsessão ignora um dos princípios básicos da DSI, ou seja, “a primazia do trabalho sobre o capital”.

Ao contrário, atropela freneticamente não só as várias formas de vida vegetal e animal (biodiversidade), mas, sobretudo, a existência concreta de pessoas, povos e comunidades, cuja vida se encontra mais ameaçada. Para esse enorme contingente de “invisíveis, excluídos e migrantes”, extremamente vulneráveis, a pandemia significou, de forma paradoxal, uma trágica visibilidade. Esta, no Brasil, deveu-se à corrida ao “auxílio emergencial” de R$ 600, que levou às ruas dezenas de milhões de trabalhadores, saídos dos porões da informalidade. A conclusão é clara, e emerge a necessidade de uma opção que se bifurca em direções distintas: ou continuamos a usufruir de forma exacerbada dos bens naturais, sem medir as consequências e sem pensar nas gerações futuras; ou, pelo contrário, tomamos consciência do uso racional, sustentável e solidário de tudo o que o Criador colocou em nossas mãos. Quem sabe este tempo de pandemia seja capaz de nos tornar mais sóbrios, frugais e responsáveis.

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