Quem tem medo da democracia?

Pesquisas recentes revelam que em muitos países aumentaram as ameaças à liberdade de expressão e de imprensa, partidos extremistas voltaram à cena política com maior número de seguidores, eleições foram questionadas, regras eleitorais foram alteradas para favorecer governantes que têm estimulado a polarização por meio da disseminação de falsas informações na mídia. 

São muitos os sinais de que a democracia está em crise no mundo atual. Segundo relatório do Instituto V-Dem, as democracias liberais diminuíram de 41 para 32 países na última década. 

Vários países têm sofrido um processo de “autocratização”, um gradual enfraquecimento das normas democráticas e esvaziamento das instituições, que continuam a existir, mas comprometidas com o poder vigente. A autonomia dos poderes tende a desaparecer, assim como a oposição, que passa a ser desqualificada e perseguida.

Mas o que leva as pessoas a apoiarem ideologias e regimes autoritários?

Em períodos de crises de grande intensidade, como o que temos vivido, aumenta a insatisfação com a democracia e sua capacidade de solucionar os problemas que afligem a população. 

As instituições, incapazes de responder às demandas sociais, passam a ser questionadas e consideradas inúteis. Se há uma solução política, esta deve ser buscada em modelos diferentes dos atuais, e a confiança só poderá ser depositada em outsiders, políticos que se denominam antissistema, que desprezam as instituições democráticas e incitam ao radicalismo. 

Essa é a porta de entrada para políticos e ideologias populistas, que oferecem leituras e soluções simplistas.

Ao tomarmos este caminho, porém, estamos renunciando à própria capacidade de reflexão, decisão e participação – um dos grandes princípios da Doutrina Social da Igreja (DSI). 

Desde Pio XII, a DSI defende a democracia como sendo o regime mais apropriado ao homem, pois valoriza sua dignidade, sua natureza racional e livre, capaz de assumir a responsabilidade por suas decisões e colaborar para realizar o bem comum. São João Paulo II, que conheceu de perto a violência dos regimes autoritários e lutou pelo restabelecimento das liberdades democráticas na Polônia e países socialistas, reconheceu o valor e a necessidade da democracia, praticada num Estado de direito “sobre a base de uma reta concepção da pessoa” (Centesimus annus, CA, 46).

Bento XVI também foi um ferrenho defensor da democracia e por ela lutou em seu pontificado, aprofundando a reflexão sobre suas virtudes e ressaltando seus limites, quando não assentada na justiça e no direito, mas baseada exclusivamente na decisão da maioria.

A democracia, como qualquer obra humana, necessita de aperfeiçoamento contínuo. Em alguns momentos, mostra-se forte e em outros se torna bastante frágil. Por isso, não podemos abandoná-la por suas imperfeições, mas legitimá-la, ampliando os mecanismos de participação e buscando a justiça social.

O momento que atravessamos no Brasil pede que estejamos vigilantes e nos manifestemos contra as medidas, decretos e manobras legais que atentem contra as liberdades civis e a Constituição. 

O magistério do Papa Francisco tem nos encorajado a fortalecer a democracia, atuando diretamente em vários âmbitos da esfera social e política, ressaltando que devemos trabalhar para torná-la representativa e solidária, porque a democracia só existe onde todas as pessoas têm garantido seu direito à vida, à alimentação, à educação e participação. Esta é, sem dúvida, a tarefa mais urgente que temos hoje em nosso país.

Marli Pirozelli N. Silva é graduada em História, mestra em Filosofia da Educação e professora universitária de Doutrina Social da Igreja.

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