ENTRE A INDIFERENÇA EGOÍSTA E O PROTESTO VIOLENTO, HÁ UMA OPÇÃO SEMPRE POSSÍVEL: O DIÁLOGO. O DIÁLOGO ENTRE AS GERAÇÕES, O DIÁLOGO NO POVO, PORQUE TODOS SOMOS POVO, A CAPACIDADE DE DAR E RECEBER, PERMANECENDO ABERTOS À VERDADE. UM PAÍS CRESCE QUANDO DIALOGAM DE MODO CONSTRUTIVO AS SUAS DIVERSAS RIQUEZAS CULTURAIS: A CULTURA POPULAR, A CULTURA UNIVERSITÁRIA, A CULTURA JUVENIL, A CULTURA ARTÍSTICA E A CULTURA TECNOLÓGICA, A CULTURA ECONÔMICA E A CULTURA DA FAMÍLIA, E A CULTURA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
Não é possível entender e seguir a Cristo, no caminho traçado pelo testemunho do Papa Francisco, sem nos dedicarmos ao diálogo. Este não pode, porém, ser confundido com “uma troca febril de opiniões nas redes sociais, muitas vezes pilotada por uma informação midiática nem sempre fiável” (FT, 200). Isso, na realidade, só obstrui o diálogo.
Hoje em dia, parece predominar o costume de denegrir o adversário e manipular informações. Mesmo que muitos façam isso alegando querer justiça e reconhecimento de direitos, esse não é o modo de construir o bem comum (FT, 200-205).
Explicando o diálogo, o Papa alerta para o perigo do relativismo, pois, “sob o véu de uma presumível tolerância, acaba-se por facilitar que os valores morais sejam interpretados pelos poderosos segundo as conveniências da hora […] Para que uma sociedade tenha futuro, é preciso ter maturado um vivo respeito pela verdade da dignidade humana […] Não será, este individualismo indiferente e desalmado em que caímos, resultado também da preguiça de buscar os valores mais altos, que estão para além das necessidades momentâneas?” (FT, 206-209).
“A busca de uma falsa tolerância deve dar lugar ao realismo dialogante por parte de quem pensa que deve ser fiel aos seus princípios, mas reconhecendo que o outro também tem o direito de procurar ser fiel aos dele. Tal é o autêntico reconhecimento do outro, que só o amor torna possível” (FT, 221).
FALAR DE “CULTURA DO ENCONTRO” SIGNIFICA QUE NOS APAIXONA, COMO POVO, QUERER ENCONTRAR-NOS, PROCURAR PONTOS DE CONTATO, LANÇAR PONTES, PROJETAR ALGO QUE ENVOLVA A TODOS […] O SUJEITO DESTA CULTURA É O POVO
(FT, 216)
A importância, para Francisco, do “povo” como categoria explicativa de uma realidade social fica muito evidente na Fratelli tutti. “Pertencer a um povo é fazer parte de uma identidade comum, formada por vínculos sociais e culturais. E isto não é algo automático; muito pelo contrário: é um processo lento e difícil… rumo a um projeto comum” (FT, 158).
O povo é o grande sujeito da cultura do encontro. Francisco não ignora os conflitos sociais e as divisões da sociedade, mas antevê, na cultura de um povo, a capacidade de uma superação real desses conflitos, em um caminho de fraternidade.
Contudo, “quando uma parte da sociedade pretende apropriar-se de tudo aquilo que o mundo oferece, como se os pobres não existissem, virá o momento em que isso terá as suas consequências. Ignorar a existência e os direitos dos outros provoca, mais cedo ou mais tarde, alguma forma de violência, muitas vezes inesperada” (FT, 219).
“É preciso procurar identificar bem os problemas que atravessa uma sociedade, para aceitar que existem diferentes maneiras de encarar as dificuldades e resolvê-las. O caminho para uma melhor convivência implica sempre reconhecer a possibilidade de que o outro contribua com uma perspectiva legítima” (FT, 228).
FAZEM FALTA PERCURSOS DE PAZ QUE LEVEM A CICATRIZAR AS FERIDAS, HÁ NECESSIDADE DE ARTESÃOS DE PAZ PRONTOS A GERAR, COM INVENTIVA OUSADIA, PROCESSOS DE CURA E DE UM NOVO ENCONTRO
(FT, 225)
Francisco, pensando sobretudo nos países onde ocorrem guerras fratricidas, propõe a necessidade de um “novo encontro”, que recomeça a partir da verdade, sem dissimulações e ocultamentos, reconhecendo as dores e as injustiças cometidas (FT, 226-227). “Uma verdadeira paz só se pode alcançar quando lutamos pela justiça por meio do diálogo, buscando a reconciliação e o desenvolvimento mútuo” (FT, 229).
Essa reflexão também é muito pertinente para o Brasil, onde a violência e a insegurança social matam tanto quanto uma guerra. Precisamos lutar pela justiça, buscando o diálogo e a reconciliação, sem ingenuidades, mas conscientes de que “a violência gera mais violência, o ódio gera mais ódio, e a morte mais morte” (FT, 227).
“Aqueles que pretendem pacificar uma sociedade não devem esquecer que a desigualdade e a falta de desenvolvimento humano integral impedem que se gere a paz […] Quando a sociedade – local, nacional ou mundial – abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade” (FT, 235).
A VERDADEIRA RECONCILIAÇÃO NÃO ESCAPA DO CONFLITO, MAS ALCANÇA-SE DENTRO DO CONFLITO, SUPERANDO-O POR MEIO DO DIÁLOGO E DE NEGOCIAÇÕES TRANSPARENTES, SINCERAS E PACIENTES
(FT, 244)
A paz, em última instância, não será possível sem o perdão e a reconciliação. Mas esses devem ser corretamente compreendidos.
“Alguns preferem não falar de reconciliação, porque pensam que o conflito, a violência e as rupturas fazem parte do funcionamento normal de uma sociedade […] Outros defendem que dar lugar ao perdão equivale a ceder o espaço próprio para que outros dominem a situação […] Outros consideram que a reconciliação seja empreendimento de fracos” (FT, 236).
Nenhuma dessas posições é cristã. A Igreja reconhece as lutas legítimas e necessárias, não propõe um perdão que renuncia aos próprios direitos perante os poderosos ou os violentos (FT, 240-241). “O importante é não o fazer para alimentar um ódio que faz mal à alma da pessoa e à alma do nosso povo, ou por uma necessidade morbosa, desencadeando uma série de vinganças […] Assim não se ganha nada e, a longo prazo, perde-se tudo” (FT, 242).
A IGREJA PODE, A PARTIR DA SUA EXPERIÊNCIA DE GRAÇA E PECADO, COMPREENDER A BELEZA DO CONVITE AO AMOR UNIVERSAL. COM EFEITO, ‘TUDO O QUE É HUMANO NOS DIZ RESPEITO (…)’
(FT, 278)
Por fim, Francisco lembra a importância das religiões na construção de uma sociedade fraterna e a missão que o Cristianismo tem, no respeito à sua identidade, mas em harmonia com as demais crenças.
“Se não se reconhece a verdade transcendente, triunfa a força do poder, e cada um tende a aproveitar-se ao máximo dos meios à sua disposição para impor o próprio interesse ou opinião, sem atender aos direitos do outro” (FT, 273). Por isso, “embora a Igreja respeite a autonomia da política […] não pode nem deve ficar à margem na construção de um mundo melhor nem deixar de despertar as ‘forças espirituais’ que possam fecundar toda a vida social” (FT, 276).
A VERDADE É UMA COMPANHEIRA INSEPARÁVEL DA JUSTIÇA E DA MISERICÓRDIA. SE, POR UM LADO, SÃO ESSENCIAIS – AS TRÊS TODAS JUNTAS – PARA CONSTRUIR A PAZ, POR OUTRO, CADA UMA DELAS IMPEDE QUE AS RESTANTES SEJAM ADULTERADAS
(FT, 227)