Existe uma certa coleção de mitos e chavões que, apesar de antigos e refutados à exaustão por quantos estudam-nos a sério, vez e outra ressurgem no contexto de ataques à nossa Igreja Católica: as “mulheres queimadas na fogueira por serem epilépticas”; as “indulgências como a venda de um lugar no céu”; o “Galileu condenado à morte por ousar questionar cientificamente os dogmas da religião”; os “padres proibidos de casar-se para não dissipar o patrimônio da igreja” – e a lista poderia continuar. Nos últimos dias, uma dessas “lendas urbanas” ganhou novamente os holofotes: a ideia de que a Igreja Católica teria sido “fundada por Constantino”, imperador romano que viveu 300 anos depois de Jesus e dos Apóstolos.
A frase circula com a aparência de descoberta histórica bombástica, mas esconde um equívoco profundo: ela reduz o mistério da Igreja de Cristo a um mero episódio político do século IV. Retomando a reflexão publicada em edições passadas no O SÃO PAULO sobre a origem da Igreja Católica (ver na seção Conheça a Igreja Católica do nosso site – https://osaopaulo.org.br/catequese), vale recordar que essa ideia é falsa sob três aspectos: é insustentável historicamente; é contrária à doutrina revelada; e, por fim, é incompatível com o ensinamento solene do Concílio Vaticano II.
Do ponto de vista histórico, a Igreja existia muito antes de Constantino. Já no primeiro século, ela possuía bispos, presbíteros e diáconos, celebrava a Eucaristia e se sabia una sob a sucessão dos Apóstolos. Por volta do ano 96 d.C., o Papa São Clemente Romano escrevia aos coríntios: “Os Apóstolos instituíram que, após sua morte, outros homens provados lhes sucedessem em seu ministério” (Carta aos Coríntios, 44). Poucos anos depois, por volta de 110 d.C., Santo Inácio de Antioquia, a caminho do martírio, testemunhava: “Onde está o bispo (…), ali está a Igreja Católica” (Esmirnenses, 8,2). Dessa forma, quando Constantino promulgou o Édito de Milão, em 313 d.C., concedendo liberdade de culto aos cristãos, a Igreja já estava viva, organizada e espalhada por todo o Império. Constantino não a criou: apenas descriminalizou-a.
O erro dessa tese, porém, não é apenas histórico: é também, e sobretudo, doutrinário. A fé cristã professa que a Igreja tem origem divina, porque foi o próprio Cristo quem a quis e fundou: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16,18). A Igreja nasce do Cristo crucificado, como ensina Santo Agostinho: “Do lado de Cristo, aberto pelo soldado, se escancarou a porta da vida, de onde manaram os sacramentos da Igreja, sem os quais não é possível entrar na vida verdadeira” (Comentário a João, 120,2). E é o Espírito Santo que a vivifica e conduz, como no Pentecostes, quando os Apóstolos, cheios do fogo divino, deram início à missão que perdura até hoje.
O Catecismo da Igreja Católica recorda que “o artigo de fé referente à Igreja depende inteiramente dos artigos relativos a Jesus Cristo: a Igreja não tem outra luz senão a de Cristo” (n. 748), e que ela é ao mesmo tempo “agrupamento visível e comunidade espiritual” (n. 771). Por isso, negar a instituição divina da Igreja é recusar um ponto essencial do Credo apostólico: “Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica.” Não é lícito pretender ser católico e, ao mesmo tempo, recusar essa verdade. Quem diz amar Cristo, mas rejeita como instituição divina a Igreja que Ele fundou e santifica pelo Espírito, crê em um Cristo mutilado, reduzido a mera lembrança histórica.
A mesma verdade foi solenemente reafirmada pelo Concílio Vaticano II, na constituição Lumen gentium. Logo no seu primeiro número, os padres conciliares proclamam: “Cristo é a luz dos povos; por isso, este sagrado Concílio deseja iluminar todos os homens com o esplendor de Cristo refletido na face da Igreja.” E mais adiante ensinam que a sociedade visível e o Corpo Místico de Cristo “não são duas realidades, mas formam uma única e complexa realidade, humana e divina” (LG 8). Negar essa origem divina seria reduzir a Igreja – sacramento universal da salvação – a uma simples instituição de poder sociopolítico.
A história, portanto, mostra que a Igreja precede Constantino; a Santa Doutrina revelada por Deus ensina que ela é obra de Cristo e do Espírito; e o Concílio Vaticano II declara que ela é mistério de comunhão que reflete a luz do próprio Deus. Constantino pode ter posto fim às sombras das perseguições estatais aos cristãos, mas a luz que ilumina a Igreja vem de Cristo, Sol nascente que não conhece ocaso. Crer na Igreja é crer em Cristo: e quem ama o Filho não pode deixar de amar a Mãe.