Horrores da Guerra

Neste último fim de semana, o mundo assistiu atônito às imagens vindas de Bucha, a cidade ucraniana perto de Kiev, recém-abandonada pelas forças russas: dezenas de cadáveres de civis jogados às ruas, alguns deles com as mãos atadas e com sinais de maus tratos e execuções. O próprio Papa ficou sabendo da notícia na entrevista que concedeu em seu voo de regresso de Malta, por meio da pergunta de um jornalista. Em sua resposta, ressaltou mais uma vez a tristeza e o sofrimento desnecessário que todas as guerras geram para a humanidade.

Os horrores que estamos a testemunhar nos fazem recordar o testemunho do monge trapista Thomas Merton, sobre as vésperas da eclosão da 2a Guerra Mundial: “…aqueles dias de fim de agosto de 1939 foram terríveis para todos. Foram dias cinzentos, de grande calor e mormaço, cheios do peso de uma opressão física decorrente do tempo e da cota incomensurável de aflição causada pelas notícias da Europa e que cada dia se tornavam mais ominosas. Parecia que finalmente se ia desencadear mesmo a guerra. Certa sensação do paroxismo covarde, pervertido e estético com que os nazistas estavam aguardando o desencadear arrepiante desse tremendo espetáculo se fazia sentir negativamente e com força cem vezes redobrada, na náusea e na aflição com que o resto do mundo esperava o abraço desse colossal instrumento de morte. Tratava-se de um perigo a que se juntava um elemento quase incalculável de desonra e insulto, de degradação e de opróbrio. E o mundo se defrontava não somente com a destruição, mas com uma destruição trazendo o maior número possível de profanação; profanação do que há de mais perfeito no homem, a sua razão e a sua vontade, a sua alma imortal” (A montanha dos sete patamares).

Mas por que, afinal, tanta loucura? Por que tantos conflitos ensandecidos? Retornando à entrevista do Papa no avião, ele distinguiu ali duas mentalidades que podem guiar nosso relacionamento com os demais: o “esquema da guerra” e o “esquema da paz”. E, no fundo, tanto os grandes conflitos arma- dos internacionais quanto as pequenas violências e atritos que testemunhamos em nosso dia a dia têm sua origem neste problema que está presente desde o início da Bíblia: “O espírito caimita de matar em vez do espírito da paz”. Nesse sentido é que se pode entender as últimas palavras da entrevista do Papa: “Estou entristecido. Não aprendemos. Que o Senhor tenha piedade de nós, de todos nós. Todos somos culpados!”.

Merton também reconhecia uma origem espiritual para os conflitos bélicos: dizia ele que o clima de tensão geral “era confusamente obscuro para muita gente e se fazia sentir apenas numa mistura de aflição, desvalimento e terror. Tal gente não averiguava que o mundo se tornara agora uma imagem do que quase todos os indivíduos tinham feito de suas próprias almas. Deixáramos que nossos espíritos e nossas vontades ficassem violados e profanados pelo pecado, pelo inferno mesmo; e agora, para nossa inexorável instrução e esclarecimento, essa coisa imensa ia suceder de novo diante de nossos olhos, física e moralmente, na ordem social, para que ao menos alguns pudessem avaliar o que todos nós havíamos feito”.

O que, porém, podemos fazer, eu e você, para aliviar os sofrimentos de tantos inocentes? Em primeiro lugar, é claro, podemos suplicar a Deus – este mesmo cuja imagem é violada em cada ser humano inocente que sofre –, pedindo-Lhe que traga-nos a paz, interna e externa, de que tanto precisamos. Podemos também, contudo, empenhar-nos ativamente em socorrer os envolvidos: prestando auxílio a refugiados, ajudando instituições de confiança que estejam envolvidas em seu socorro e manifestando publicamente nosso repúdio a esse conflito.

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