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Insegurança pública: o que diz nossa experiência cristã?

A recente ação policial no Rio de Janeiro, que deixou dezenas de mortos e transformou a cidade em um cenário de guerra, representa um verdadeiro desafio à nossa consciência, como católicos e como seres humanos. Dom Orani Tempesta, Arcebispo do Rio de Janeiro, escreveu imediatamente uma carta na qual expressa os elementos básicos de um discernimento cristão: (1) “a vida e a dignidade humana são valores absolutos […] dom sagrado de Deus, deve ser sempre defendida e preservada”; (2) solidarizando-se com as vítimas e suas famílias, eleva suas preces para que “Cristo, o Príncipe da Paz, envolva cada coração ferido com Sua ternura, restaure a esperança e faça brotar, mesmo entre as lágrimas, a certeza de que o amor é mais forte do que a morte”; (3) exorta-nos “a ser construtores da paz, a superar o ódio, a vingança e a indiferença que corroem o tecido social”, unindo “nossas forças pela reconciliação, pelo respeito mútuo e, sobretudo, pela proteção da vida, pela promoção da justiça e pela construção de uma sociedade pacífica, que promova a dignidade de cada pessoa, especialmente dos mais pobres e vulneráveis”.

Estes três pontos bem sintetizam a mensagem cristã para um momento como este. Servem não só para o Rio de Janeiro, mas para todo o Brasil, para todo o mundo…

Contudo, podem parecer excessivamente vagos e pouco práticos para enfrentar a insegurança da nossa sociedade. Afirmar que “bandido bom é bandido morto” parece corresponder mais a nossos corações escandalizados com os avanços do crime organizado e da impunidade. Não nos damos conta de que a violência gera violência, se não combatermos eficazmente os fatores que permitem o crescimento da criminalidade; se não garantirmos as condições necessárias para a segurança dos cidadãos, a truculência contra os bandidos só gerará uma criminalidade ainda mais violenta e bem armada. Além disso, o caminho da repressão violenta deixa um rastro de inocentes mortos, vítimas de “balas perdidas”, assassinados quando tentavam se defender heroicamente ou confundidos com criminosos. Os fatos estão aí, amplamente expostos e noticiados.

Também é verdade que os esforços bem-intencionados das polícias muitas vezes não são reconhecidos. Às vezes, certas reações públicas fazem os policiais parecem assassinos fardados, não levam em consideração que tantos deles morreram tentando defender a segurança de todos nós. Querer combater a truculência policial simplesmente condenando as polícias é tão ineficaz quanto querer combater a criminalidade aumentando a truculência…

E, por fim, temos a exploração partidária da insegurança pública, os discursos políticos que estão mais interessados em garantir votos e desmoralizar o adversário do que em resolver os problemas. E nós, em nossa impotência, frustração e raiva, frequentemente nos entregamos a uma posição ou a outra. Apesar de nosso Cristianismo sincero, olhamos mais para o demagogo, que oferece respostas fáceis e que parecem aplacar nossa dor (só parecem, na verdade apenas aumentam a espiral de ressentimento, angústia e impotência), do que para Cristo e para o testemunho de nossos irmãos, nossos mestres e nossos pastores – que respondem à violência com a força construtiva da caridade.

Dizer que nossa primeira resposta é a oração não é ingenuidade. É o reconhecimento da necessidade da graça diante de nossa limitação humana – todos somos limitados e é pouco sábio imaginar um poder que não temos diante do real. E Deus age, ainda que de modos muitas vezes impensáveis e misteriosos a nossos olhos. Esta é ação de Deus é a razão de sermos cristãos, mesmo que muitas vezes nos esqueçamos deste dado fundamental.

E a resposta também passa pelo caminho da solidariedade. A promoção humana integral é a melhor resposta de médio e longo prazo à criminalidade. O crime floresce onde as opções humanas se tornam limitadas. Sozinha, ela não responderá a todos os problemas, mas sociedades solidárias, com sistemas eficientes de promoção humana, sempre enfrentam menos problemas de insegurança. Além disso, o caminho da solidariedade cria experiências comunitárias sólidas, que ajudam a combater a criminalidade e se integram às polícias, que passam a ser vistas como reais colaboradoras para o bem comum.

Por fim, os especialistas enfatizam a importância da “inteligência”, isto é ações policiais bem-informadas, que atacam o crime em suas raízes, em suas fontes de financiamento e em suas células de liderança. É este tipo de ação, menos truculenta, com menos vítimas, porém mais eficiente, que deve ser estimulada se queremos realmente superar nossa insegurança pública.

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