Em sua primeira audiência ao Colégio de Cardeais, no terceiro dia após ser eleito Papa, Leão XIV assim explicou ao mundo o motivo da escolha de seu nome: “São várias as razões, mas a principal é porque o Papa Leão XIII, com a histórica encíclica Rerum novarum, abordou a questão social no contexto da primeira grande revolução industrial; e, hoje, a Igreja oferece a todos a riqueza de sua doutrina social para responder a outra revolução industrial e aos desenvolvimentos da inteligência artificial, que trazem novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho”. A nova “revolução” da inteligência artificial, portanto, bem como os desafios e oportunidades que ela traz consigo para nosso mundo, estarão na mira do magistério do nosso novo Papa.
Entre os desafios associados ao desenvolvimento da inteligência artificial, podemos citar mudanças significativas no mercado de trabalho, com profissões que tendem a desaparecer ou ter sua demanda de pessoal amplamente diminuída, impondo a busca de alternativas de recolocação. Já no momento atual, sente-se o impacto em áreas como tradução, análise e processamento de dados – mas também, em um momento posterior, até mesmo em consultas jurídicas, ilustrações artísticas, projetos arquitetônicos ou de engenharia, diagnósticos médicos…
Outro desafio está nos chatbots, que simulam personalidades reais, com a pretensão de substituir relações humanas. O dono da Meta, Mark Zuckerberg, recentemente afirmou em uma entrevista que o norte-americano médio tem menos de três amigos, em uma espécie de epidemia de solidão e falta de relacionamentos, sugerindo que, no futuro, a IA poderia ajudar nesse sentido. Ao mesmo tempo, já há casos como o de Sewell Setzer, o adolescente norte-americano de 14 anos que, após 10 meses de relacionamento cada vez mais intenso com a “Dany”, uma personagem de IA hiper-realista com a qual conversava, se suicidou em fevereiro de 2024. Nas últimas mensagens que trocou, o menino disse à “Dany” que a amava e que em breve voltaria para casa – ao que a máquina respondeu, “Por favor, volte para casa o mais rápido possível, meu amor”.
Também podemos pensar nos deepfakes, uma espécie de fake news potencializado, em que é quase impossível distinguir o real do ilusório. O próprio Papa Leão XIV foi vítima de um vídeo artificial que obteve milhões de visualizações, em que sua imagem e sua voz foram usadas para simular um suposto discurso de louvores ao líder de Burkina Faso.
Por fim, há a questão de que o recurso imoderado às facilidades da IA pode enfraquecer o desenvolvimento normal das habilidades intelectuais dos seres humanos em formação – pois quando tudo é muito fácil e a informação está sempre ao alcance dos dedos, tendemos a ficar “preguiçosos”. Acontece que o raciocínio abstrato e a capacidade de penetração intelectual não “caem do céu”, mas precisam ser conquistados por meio de um percurso de esforço intelectual – daí o sentido de estudar, no colégio, assuntos que não necessariamente usaremos em nossa vida profissional, mas que têm o papel de desenvolver a inteligência.
Há várias outras questões a considerar – mas, de todo modo, o certo é que não devemos ter medo dessas novidades, como se de alguma forma pudessem ameaçar a autenticidade ou a atualidade da mensagem cristã. Pois, como diz o Catecismo da Igreja Católica, “nunca pode haver verdadeiro desacordo entre [fé e razão]: o mesmo Deus que revela os mistérios e comunica a fé também acendeu no espírito humano a luz da razão. E Deus não pode negar-Se a Si próprio, nem a verdade pode jamais contradizer a verdade” (CIC 159). A Igreja, como um sábio escriba, consegue sempre tirar coisas antigas e novas de seu tesouro – e como especialista em humanidade, está em posição privilegiada para contribuir positivamente para uma visão das novas tecnologias que respeite o valor da dignidade humana e o bem comum. Esperemos, então, que o Magistério do Papa nos dê mais luzes, à luz do Evangelho e da sempre viva Tradição da Igreja, para responder aos desafios de nosso tempo!