Missão e compromisso social

De algum tempo para cá, em determinados setores da Igreja Católica, vem crescendo uma espécie de espiritualidade intimista. A religião parece limitar-se apenas à vida privada, sem qualquer tipo de consequência para com os outros e, de forma particular, praticamente sem compromisso diante dos pobres. Desenvolve-se uma dicotomia maniqueísta, no mínimo controvertida, entre a dimensão espiritual e a dimensão material da existência humana. Espiritualiza-se a fé, a tal ponto que as obras se convertem em um apêndice dispensável. Quem pode dar-se ao luxo de pensar somente no lado espiritual da fé, é porque tem sua existência material perfeitamente assegurada.

Diferente é o que nos mostram os relatos evangélicos. Na prática de Jesus, a intimidade com o Pai, na montanha, cresce na mesma proporção que o cuidado para com os doentes, indefesos, pecadores e marginalizados, no caminho. Essas duas metáforas – montanha e caminho – isto é, oração e ação, merecem o mesmo empenho do Mestre. Ambas, respectivamente, se complementam e se integram, se entrelaçam e se enriquecem, se questionam e se interpelam. Uma reforça e se deixa reforçar pela outra, uma leva à outra.

Basta confrontar duas passagens bem conhecidas: Lc 11,1-4 e Mt 9,35-38. Em Lucas, extasiados com o rosto do Senhor após o encontro com Deus, os discípulos lhe pedem que os ensinem a rezar. Jesus ensina o Pai-nosso. Mais do que uma oração a ser decorada e declamada diariamente, trata-se de uma atitude de vida. Na primeira parte, um olhar para o Pai: santo é o seu nome, venha o seu reino e seja feita a sua vontade. Na segunda parte, um olhar para os irmãos: partilhar o pão de cada dia, abrir-se ao perdão, prevenir-se contra todo tipo de tentação. A própria oração, por si só, aponta para um horizonte de relações justas e saudáveis.

Mateus, por sua vez, diz que Jesus percorria cidades e povoados, curava as enfermidades e sentia compaixão das multidões cansadas e abatidas, porque eram como ovelhas que não têm pastor. O verbo percorrer indica que o Mestre se põe a caminho, ao encontro dos necessitados, excluídos, vulneráveis. Depois, onde enxergar as multidões cansadas e abatidas de nossos dias? O que significa olhá-las com os óculos da compaixão? Palavra composta: com + paixão. Estar com e na hora das situações-limite. Não quer dizer dar coisas, e sim dar-se, colocar o próprio tempo a serviço dos feridos à beira da estrada, como na parábola do Bom Samaritano (Lc 10,29-37). Eloquente é o final: “Vai e faz o mesmo”! Aqui também se passa da palavra à ação.

E ainda: “Da mesma forma que o corpo sem o sopro da vida é morto, assim também é morta a fé sem obras” (1Tg, 2,26). O encontro íntimo com o Pai desdobra-se naturalmente na prática da justiça e do direito para com os irmãos. A oração complementa-se por meio da ação e esta, a seu turno, requer o retorno a Deus, o qual, orienta-nos novamente à prática social. Assim se revela a dinâmica da “Igreja em saída” em uma perspectiva de sinodalidade: caminhar juntos ao encontro dos “caídos” à beira do caminho e da vida.

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