Não te esqueças dos pobres

Aproxima-se o 7º Dia Mundial dos Pobres, celebrado todos os anos no domingo anterior à Solenidade de Cristo Rei. Neste ano, será no dia 19 de novembro. Aos poucos, esta comemoração, introduzida na Igreja pelo Papa Francisco, vai entrando na vida das comunidades católicas.

Há um significado especial na escolha do momento para essa comemoração. No domingo de Cristo Rei, somos confrontados com o nosso encontro final com o Senhor da história e nosso juiz. A Ele devemos dar conta de nossa vida e, sobretudo, daquilo que fizemos com nossos irmãos. Ele quererá saber, especialmente, se acudimos os pobres, os doentes, os famintos, os que sofrem nos cárceres, os que são perseguidos por causa da justiça. A quem tiver ajudado os pobres, Ele dirá: “Vinde benditos de meu Pai, entrai no reino preparado para vós desde sempre” (cf. Mt 25,31-40). A quem, porém, não o tiver feito, desprezando o pobre e sendo egoísta e insensível diante dos seus sofrimentos e necessidades, Ele dirá: “Ide para longe de mim, malditos, para o fogo eterno preparado para o diabo e seus anjos” (cf. Mt 25,41-46).

Antes de nos propor a cena do juízo final, no final do ano litúrgico, a Igreja nos recorda e adverte, em tempo: “Não te esqueças dos pobres”. Neste ano, o Papa escolheu o belo texto do livro de Tobias: “Nunca afastes de algum pobre o teu olhar” (Tb 4,7). É Tobit pai, idoso e cego, homem justo e dedicado aos pobres, que aconselha o filho Tobias numa espécie de testamento espiritual. “Lembra-te sempre, filho, do Senhor, nosso Deus, em todos os seus dias, evita o pecado e observa os seus mandamentos. Pratica a justiça em todos os dias da tua vida e não andes pelos caminhos da injustiça” (Tb 4,5). E depois recomenda a sensibilidade e a atenção aos pobres: “Nunca vires o teu rosto para não ver o pobre” (Tb 4,7). Esses belos e necessários conselhos mantêm toda a sua atualidade, apesar de já serem milenares.

Um dos propósitos do nosso sínodo arquidiocesano é o testemunho à caridade: que em todas as paróquias, comunidades e outras expressões e organizações da Igreja Católica existam iniciativas de caridade organizada, além do incentivo à prática pessoal da caridade e das obras de misericórdia. As obras sociais, as iniciativas espontâneas ou estáveis de auxílio ao próximo, nas mais variadas dimensões, dão mais eficácia à caridade e estimulam muitos a se unirem a essas iniciativas.

Há um mar de necessidades ao nosso redor, basta abrir os olhos e o coração: são moradores de rua, dependentes químicos, crianças necessitadas, mulheres exploradas, idosos abandonados à solidão, enfermos, enlutados, injustiçados ou feridos em seus direitos e sua dignidade. São pais que necessitam de ajuda na educação dos filhos; jovens desorientados quanto ao seu futuro. São desempregados ou subempregados que apenas conseguem providenciar o mínimo para o sustento de suas famílias. Quanta pobreza nas periferias, nos cortiços, nas invasões de prédios…

E corremos o risco de passar por esses sofrimentos sem nos tocarmos ou desviando o nosso olhar, para não ver os pobres nem nos comprometermos com eles. O velho Tobit tem mais uma recomendação para o jovem Tobias e para nós: “Dá esmola, conforme as tuas posses. Nunca afastes de algum pobre o teu olhar e nunca se afastará de ti o olhar de Deus” (Tb 4,7). Isso vai na linha do que Jesus ensinou: “Tudo aquilo que tiverdes feito ao menor dos meus irmãos, fizestes a mim” (cf. Mt 25,40).

Graças a Deus e à generosidade do povo, existem muitas iniciativas de caridade e voluntariado em nossa Arquidiocese. Muitas são iniciativas institucionais e outras são espontâneas. Mas ainda existe muita necessidade, apesar de tudo. Isso significa que nossa caridade precisa ampliar-se ainda mais, indo inclusive às raízes da pobreza e do sofrimento dos pobres. Ela não deve restringir-se a uma esmola ou a um prato de comida, coisas certamente necessárias e louváveis. Mas a caridade organizada precisa atuar para libertar o pobre das raízes de sua pobreza. Nesse sentido, são necessárias iniciativas voltadas à promoção de uma maior equidade e justiça social e para a educação formal e informal, em todas as idades, em vista da inserção no mundo do trabalho.

O Dia Mundial dos Pobres vem como uma campanha educadora da nossa consciência e sensibilidade social. Seria muito bom se em vez de ser uma ocasião, apenas, para uma esmola, nós fizéssemos uma movimentação envolvente com o povo das paróquias e comunidades, desde as crianças e os adolescentes, até os aposentados, para trazer os pobres ao meio das nossas comunidades, das quais eles não devem ficar excluídos. Sabemos nós com quanto dinheiro a população das periferias urbanas de São Paulo passa o mês? Que ginástica precisam fazer para não ter de escolher entre ficar sem comida ou ficar sem remédio? Entre ficar sem pagar o aluguel ou ficar sem fazer a compra do mês? Essas situações, enfrentadas por muitas pessoas, devem interessar às nossas comunidades católicas.

Lamentavelmente, acostumamo-nos com as situações de pobreza e não as enxergamos mais. O Dia Mundial dos Pobres vem para despertar nossa consciência. São Paulo recebeu do Concílio Apostólico de Jerusalém uma recomendação especial: “Que não me esquecesse dos pobres”. E isso ele levou a sério. A recomendação continua valendo para nós também.

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