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No silêncio das 12 semanas de vida, o humano que já respira

Há momentos em que a linguagem deixa de ser ponte para a verdade e se converte em biombo. Palavras que deveriam iluminar tornam-se cortina de conveniência. Poucos exemplos ilustram isso tão bem quanto a expressão “descriminalização do aborto até a 12ª semana”. Um enunciado limpo, sem sangue e sem rosto – adequado a relatórios administrativos, grotesco diante do mistério da vida humana. 

Setores da sociedade, temerosos do peso moral de suas escolhas, manipulam o vocabulário antes de encarar a realidade. O expediente funciona porque oferece à consciência uma trégua ilusória. Mas a verdade persiste: por trás das 12 semanas, existe um ser humano em desenvolvimento, alheio a prazos legislativos, seguindo o curso natural da vida. A frieza cronológica é invenção moderna – e conveniente. A vida não se inaugura por decreto, nem desperta ao som de relógios legislativos. 

A doutrina católica – ridicularizada por quem a rejeita sem compreendê-la – afirma o que a ciência confirma com serenidade: desde a concepção existe um ser humano dotado de dignidade. Não se trata de dogma; é biologia elementar. André Frossard, jornalista francês, lembrava: “A verdade não grita, apenas permanece.” Ela permanece, mesmo quando tentam silenciá-la. Este patrimônio moral ergue-se como última barreira contra a linguagem que transforma a vida humana em abstração descartável. 

Se a linguagem já nos engana, não surpreende que as instituições também vacilem. O espetáculo institucional brasileiro tornou-se indigno de uma República séria. A pressa – travestida de modernidade, quando não passa de pretexto para o arbítrio – tornou-se regra. No apagar das luzes de seu mandato, um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) pronunciou-se sobre o aborto, sem debate, sem transparência, como quem dispara uma mensagem em redes sociais e se retira. O País paga o preço: decisões de convicção pessoal, desprezo pelo Congresso, enfraquecimento do Estado, banalização da vida humana e erosão da confiança nas instituições. A vida silenciosa até 12 semanas é ignorada; o País assiste, impotente, à profanação de seu próprio futuro. 

É preciso afirmar o óbvio: a discussão sobre o aborto não cabe ao STF. Cabe ao Congresso Nacional – único poder legitimado para legislar em nome do povo. Alegar que o Parlamento é lento é confundir democracia com pressa. Essa lentidão não é defeito: é proteção. Tribunais não existem para atropelar debates que exigem reflexão e consenso. Decidir sobre vida e morte à margem do Legislativo é reduzir a sociedade à condição de espectadora de sua própria barbárie. 

O Congresso deve agir com firmeza na proteção da vida nascente e da dignidade da mulher. A doutrina católica ensina que não há conflito entre essas vidas. Nenhuma mulher pode ser forçada a escolher entre si mesma e a vida que já pulsa em seu ventre. Cabe ao legislador assegurar proteção plena a ambas. Defender a vida é pilar de qualquer sociedade madura – princípio que atravessa séculos. Ignorá-lo é trair a própria consciência civilizacional. 

O verdadeiro progresso não se mede pelo descaso com os mais frágeis, nem pelo abandono dos valores que sustentam gerações. Avançar não significa renunciar ao essencial: a vida humana. Reduzir o ser humano a mera abstração jurídica é mutilar a liberdade e esvaziar a justiça. Vivemos um tempo iludido por eufemismos que jamais escondem a realidade: a vida é indisponível. Preservá-la é condição para que a luz da civilização continue a brilhar – caso contrário, entregamos nosso futuro a um vazio de valores corroídos. 

Democracias maduras não decidem, por pressa do Judiciário, sobre vida ou morte, nem transferem à Suprema Corte o que cabe ao Legislativo. Sob a sombra do Supremo, as 12 semanas de vida ficam vulneráveis, frágeis, e o País se afasta de sua própria consciência moral. Quando a vida humana se reduz a nota de rodapé, não triunfa a modernidade; triunfa a barbárie, disfarçada de virtude progressista, que cobre com aparência o que é, em essência, degradação. 

Recordemos uma frase de Umberto Eco: “Creio que o que nos tornamos depende do que nossos pais nos ensinam em momentos estranhos, quando eles não estão tentando nos ensinar. Somos formados por pequenos pedaços de sabedoria.” Se isso é verdade – e é –, toda sociedade se torna aquilo que transmite, mesmo quando finge não transmitir nada. Uma nação que banaliza a vida ensina seus filhos a banalizá-la. Nenhum país permanece de pé depois dessa lição. 

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