Novamente, a família na berlinda

Não muito tempo atrás, a conhecida psicóloga Vera Iaconelli, presença frequente em várias mídias sociais, discorreu sobre a família e seus dissabores. Sua definição de família pareceu-me bem apropriada: “A família seria a rede de relações de intimidade a partir da qual se compartilha uma história comum, transgeracional ou recente, imprescindível para a constituição subjetiva. Ao longo da vida, não temos como abrir mão dessas trocas pessoais que nos humanizam”. Mas logo a seguir, ela parte para a descrição e crítica da “família hegemônica”, que estaria a serviço do projeto de acumulação de bens e manutenção do poder, a partir de um sobrenome, no sistema capitalista.

Não está escrito com todas as letras, mas a crítica dirige-se a uma postura pró-família defendida por grupos cristãos mais conservadores, que a entende em termos de um pai, uma mãe e crianças. E como todo discurso progressista hoje, Iaconelli defende modelos familiares alternativos, frutos de escolha, seguindo os padrões do individualismo moderno, em que a geração de filhos teria um papel secundário.

Ora, em uma instituição multissecular e transcultural como a família, não é de se surpreender que tenha havido distorções de toda espécie ao longo de sua história. Para se separar a riqueza subjacente da ferrugem acrescida, há que se ter um padrão. A Igreja Católica defende os princípios do direito natural, já presentes nos textos bíblicos: “Por isso, deixa seu pai e sua mãe, se une à sua mulher, e eles se tornam uma só carne.” (Gênesis 2,24, repetido por Jesus em Mateus 19,5). Por que o padrão? Porque a reprodução humana é sexuada: um macho e uma fêmea se unem e geram um filho. Mas a espécie humana requer que a prole seja objeto de cuidado por um longo período para chegar com sucesso à idade adulta, solicitando uma unidade familiar em que essa prole compartilhe o sangue com os genitores.

Por outro lado, a autora comete o que veio a ser chamado de “falácia naturalista”: partir daquilo que é para o que deve ser. Não é porque, ao longo da história, toda sorte de aberrações e todo tipo de arranjos familiares alternativos ocorreram, que se deve negar esse padrão tão singelamente expresso em Gênesis. Uma só carne: tudo em comum, principalmente os filhos. Também é uma unidade econômica. Daí a estranheza com que se recebe a notícia de que “cada vez mais mulheres de classes altas preferem ter filhos sozinhas”, como uma notícia recente indica, o que é possibilitado por tecnologias de reprodução assistida cada vez mais comuns. Se é para registrar aberrações que rondam a unidade familiar, porque não destacar esse fruto do individualismo moderno, em que os filhos não vêm como dom, mas como produtos do consumismo?

Talvez esteja na hora de resgatar a pobre família dos discursos radicais, com uma defesa algo hipócrita à direita e uma relativização sem precedentes à esquerda, e voltar às suas origens!

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