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O desejo dos bens celestes

A festa solene de Todos os Santos, junto com a comemoração do Dia de Finados, ou “de todos os fiéis defuntos”, traz à nossa consideração a nossa fé católica nas realidades escatológicas ou “Novíssimos”: Trata-se das realidades que ainda deverão acontecer em sua plenitude no futuro de Deus: morte, julgamento de Deus, paraíso, inferno, purgatório, vida eterna… No Símbolo Apostólico, que é a Profissão de Fé mais breve, nós professamos: “Creio (…) na comunhão dos Santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne e na vida eterna”.

Esses aspectos da fé cristã são frequentemente ignorados, porque pouco anunciados e explicados. Na pesquisa sobre a situação religiosa e pastoral na arquidiocese de São Paulo, realizada em 2018, 73,13% dos católicos responderam que tinham fé na nossa ressurreição após a morte e na vida eterna. Mas 21,94% responderam que tinham dúvidas sobre isso. E 4,94% dos católicos responderam que não acreditavam nisso. Essas respostas revelam um quadro preocupante de dúvidas sobre a fé na ressurreição futura dos mortos e na vida eterna.

Até mesmo certa maneira de falar sobre o falecimento de alguém revela uma compreensão da ressurreição dos mortos que não é exatamente aquilo que a fé católica crê e proclama. Em vez de dizer, simplesmente, que uma pessoa faleceu, com frequência se lê ou escuta que a pessoa “fez sua páscoa definitiva”. Ora, sabemos que apenas Jesus Cristo fez a sua Páscoa definitiva, ao ressuscitar dos mortos no seu verdadeiro corpo e se elevar à glória de Deus. Maria lhe foi associada mediante o privilégio único da sua Assunção ao céu. Para todos os demais mortais, por enquanto, a morte corporal é verdadeira morte e os falecidos estão à espera da ressurreição final quanto ao seu corpo humano, para serem associados à redenção plena na vida eterna.

Para se informar melhor sobre o que a Igreja ensina oficialmente sobre essa matéria de nossa fé, é muito recomendado retornar ao que o Catecismo da Igreja Católica ensina (parágrafos 988 a 1050). As celebrações litúrgicas do início de novembro podem ser uma ótima oportunidade para isso. Sabemos que outras formas de crer, não cristãs ou não católicas, podem ter convicções e explicações diferentes sobre esses temas. Para os católicos, porém, é bem desejável que compreendam melhor a sua fé, para testemunhá-la com convicção e alegria.

Neste Ano Jubilar, podemos viver essas celebrações na perspectiva da esperança. A morte é dura, causa dor e luto e opera uma ruptura na vida das pessoas e isso precisa ser vivido humanamente e, também, à luz da fé sobrenatural. Temos respostas luminosas ao drama da morte e das rupturas que ela causa. A morte não tem a última palavra sobre a vida e a existência. Cremos em Deus Pai, “senhor e fonte de vida”, doador da vida, que não nos criou para o aniquilamento, mas para a participação da vida em plenitude. E essa não se consegue, simplesmente, mediante a ciência e a técnica. Deus dá a quem procura e pede com fé a vida eterna e a realização plena aos anseios mais profundos do coração humano.

“Somos peregrinos de esperança”, anuncia o Ano Jubilar de 2025. De uma esperança “que não decepciona”. A esperança anima e orienta nosso peregrinar neste mundo. A esperança nos motiva para o esforço na prática do bem e da justiça, na busca da superação dos males e na perseverança no caminho do bem, apesar das muitas frustrações e imperfeições que ainda enfrentamos na realização desse esforço como “peregrinos de esperança”. A esperança nos leva a cultivar “as sementes do Evangelho”, na certeza de que ele pode “fermentar a humanidade e o cosmos na espera confiante dos novos céus e da nova terra, quando as potências do mal serão, finalmente, vencidas e se manifestar a glória de Deus para sempre (cf. Oração do Jubileu de 2025).

A festa de Todos os Santos e a comemoração dos Fiéis Defuntos são marcadas fortemente pela esperança cristã. Em nós, devemos despertar e cultivar o desejo de participar, quando Deus quiser, da feliz companhia dos Santos e Santas no céu. Sentimos a dor e o luto pela morte, mas não como derrotados e sem resposta. Temos respostas luminosas para as questões mais angustiantes da existência e, por isso, apesar de tudo, não desanimamos e seguimos em frente no nosso peregrinar.

Bento XVI observou, na encíclica Spe Salvi (Salvos na Esperança), que um dos maiores problemas do nosso tempo é que muitos não esperam mais nada para além desta vida e, também, nada esperam de Deus. A autossuficiência humana acaba deixando as pessoas vazias e confrontadas apenas com suas próprias limitações, sem respostas e sem esperança. Para a existência humana, é trágico perder o desejo dos bens eternos, que só Deus pode conceder. Que as celebrações de Finados e de Todos os Santos alimentem em nós “o desejo dos bens celestes”. 

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