No passado pré-conciliar, todo mundo – até quem não ia na missa – conhecia seu pároco, enquanto o papa era uma referência distante. A fé e o conhecimento sobre a Igreja vinham, principalmente, da relação com os padres que estavam mais próximos. Atualmente, pelo contrário, frequentemente mesmo quem vai à missa não conhece o padre celebrante, mas todos – frequentemente via jornais que nada têm de católicos – acreditam conhecer o papa e suas ideias. Os sumos pontífices, mais do que nunca, são uma referência sobre o que é a Igreja para a opinião pública. Assim, todos acreditam conhecer o pensamento e o carisma do Papa Francisco. Muitos se sentem encantados por ele, outros não gostam dele…
Neste tempo em que o papado se tornou o rosto público mundial da Igreja, mais do que nunca os pontífices são chamados a se apresentar ao mundo como “sinal de contradição”, como denúncia – explícita ou implícita – daquilo que não está certo. Infelizmente, nós católicos nem sempre estamos abertos a esse aspecto polêmico da missão dos papas. Aclamamos quando a contradição apontada é a dos outros, rejeitamos quando a contradição apontada é a nossa… Temos dificuldade em perceber que Deus nos pede, por meio do carisma particular de cada papa, um passo diferente no caminho de nossa conversão e da conversão do mundo.
Quando Bento XVI faleceu, a editoria do nosso Caderno Fé e Cultura se deu conta de quantos aspectos de sua personalidade passavam despercebidos da comunidade católica. Daí nasceu o Caderno “Bento XVI desconhecido”, no qual apresentávamos rapidamente sua ênfase no amor de Deus e sua humildade, que quase nunca eram apresentadas até mesmo nas mídias católicas. No décimo aniversário do pontificado de Francisco, a equipe se defrontou com uma questão similar. Agora, todos parecem conhecer a mensagem do Papa, mas reduzida a um esquematismo que parece óbvio, mas no fundo é uma caricatura que distorce muitas das suas posições. Por isso, essa edição do Caderno intitula-se “A mensagem de Francisco, para além do óbvio”.
Não se trata de apresentar pontos desconhecidos de seu magistério ou de tentar alterar ideias já arraigadas. Um dos méritos de Bergoglio é deixar bastante claro aquilo que lhe interessa dizer. Contudo, é importante ir além de uma interpretação esquemática e superficial. Tendemos a acreditar que “o Papa pensa como nós” ou que “o Papa pensa contra nós”. Num caso e no outro, perdemos a chance de descobrir “o que mais Deus, ao nos dar esse Papa, quer que nós pensemos”.
Nesse Caderno, duas coisas saltam aos olhos. Em primeiro lugar, Francisco é um místico. Não no sentido que em geral se dá ao termo, mais próximo do conceito de esotérico, mas no sentido de ser um homem que vê o mistério de Deus escondido no mundo. Seu empenho social não nasce de uma redução sociologizante, mas de uma elevação mística. Não é um mundanismo que se dobra aos problemas e às tendências politicamente corretas da atualidade. São as demandas do mundo que ascendem, tornando-se espaço de encontro do ser humano com o amor de Deus. Em segundo lugar, para nós brasileiros – pelo menos – as posições político-sociais de Francisco não são “mais do mesmo”. É a nossa leitura esquemática de sua mensagem que não percebe que quase sempre ele dá uma resposta diferente daquelas convencionais aos problemas que aborda.
O discernimento, que ele tanto valoriza, é encontrar os sinais de Deus nas alegrias e nas dores do mundo. Acontece que aquele que vê o mundo na perspectiva dos sinais de Deus, vê coisas que os outros não veem, dá respostas que os outros não dariam. Se não formos capazes de segui-lo nesse caminho, boa parte de seu anúncio poderá se perder. Mas a culpa não será de um papa que não soube mostrar a face de Deus ao mundo, mas sim de um mundo que não quis perceber com que face Deus se manifesta neste momento.