O povo que andava nas trevas viu uma grande luz

A frase do título, extraída do livro do profeta Isaías (Is 9,1), se presta não somente para este tempo do Advento, mas também serve de referência para o momento histórico que vive o Brasil. Densas nuvens, raios estrondosos e temporais imprevistos devastaram os alicerces da democracia em nosso país. Fortes trevas de autoritarismo, negacionismo e indiferença cobriram o céu azul desta Terra de Santa Cruz. 

O Senhor da história, entretanto, jamais esquece a aliança com seu povo. Vê sua aflição, ouve seu clamor, conhece seu sofrimento e desce para libertá-lo, conduzindo-o “a uma terra onde corre leite e mel” (Ex 3,7-10; Dt 26,5-10). Os verbos ver, ouvir, conhecer e descer revelam um Deus atento, sensível e solidário, tanto com a escravidão no antigo Egito, quanto com a vida ameaçada dos pobres, excluídos e descartáveis de hoje. A Doutrina Social da Igreja (DSI), em geral, e o Papa Francisco, em particular, não se cansam de alertar para os direitos e a dignidade humana das pessoas indefesos, todos os “condenados da terra” (Frantz Fanon).

A partir das páginas bíblicas e dos princípios fundamentais da DSI, depreende-se que o clamor dos oprimidos chega até os céus. As feridas dos que sofrem são as feridas de Deus. O sofrimento dos indígenas, afro-brasileiros, quilombolas, desempregados, povo de rua, migrantes – enfim, dos sem terra, sem trabalho e sem teto – se escancarou e se agravou nos últimos anos, seja devido à pandemia da COVID-19, seja devido aos mandos e desmandos dos governos de extrema-direita.

O tempo de Advento, neste ano de 2022, coincide com a transição possível para novas formas de administrar a res publica, com respeito diante das instâncias democráticas e com a participação popular, e particularmente orientadas para as necessidades básicas da população de baixa renda. De fato, a dor, a fome e a solidão são três irmãs gêmeas, não podem esperar, exigem urgentes tomadas de decisão. A preparação do nascimento de Jesus nos convida a desenvolver todas as potencialidades do perdão, da reconciliação e da solidariedade, da justiça e da paz.

Não bastam, porém, as boas intenções. No texto de Isaías, a luz vence as trevas “porque quebraste a canga de suas cargas, a vara que batia em suas costas e o bastão do capataz de trabalhos forçados. Porque toda bota que pisa com barulho e toda capa empapada de sangue serão queimadas, devoradas pelas chamas” (Is 9,3-4). O Menino que nasce em Belém anuncia que os “sinais dos tempos” já se fazem sentir, o Reino dos Céus já está entre vós. Daí sua opção preferencial por aqueles que, do ponto de vista espiritual e do ponto de vista material, têm sua vida suspensa por um fio.

Basta ler os relatos evangélicos para se dar conta que a caravana de Jesus nunca ignora nem atropela quem pede socorro. O Natal é Boa-Nova e esperança para os pobres. O Mestre sempre se detém diante da dor e do sofrimento. Os casos são inúmeros: a mulher adúltera e aquela que sofria de fluxo de sangue, a mulher que perdera o filho e a outra sírio-fenícia, os leprosos e os cegos de nascença!… A parábola do Bom Samaritano dá testemunho disso. Somente o estrangeiro foi capaz de se deter diante do “caído” à beira da estrada e da vida. Expressa justamente a prática sociopastoral de Jesus, para o qual o clamor do abandonado é o clamor de Deus.

Padre Alfredo José Gonçalves, CS, pertence à Congregação dos Missionários de São Carlos (Scalabrinianos).

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