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O que a alma é para o corpo, são os cristãos para o mundo

No quarto domingo deste mês das vocações, a Igreja nos convida a meditar na vocação dos leigos, testemunhas da ressurreição e da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, sinal do Deus vivo, diante do mundo. 

A constituição dogmática Lumen gentium (“Luz dos Povos”), publicada em novembro de 1964, no âmbito do Concilio Vaticano II, por São Paulo VI, assim se refere aos leigos e o mundo: “Todos e cada um em particular são chamados a alimentar o mundo com os frutos espirituais (cf. Gl 5,22), nele derramando o espírito que anima os pobres, os mansos e os pacíficos, proclamados bem-aventurados pelo Senhor, no Evangelho (cf. Mt 5,39). E, conclui: “Em síntese: o que a alma é para o corpo, são os cristãos para o mundo.” (LG 38). 

Essa síntese — “o que a alma é para o corpo, são os cristãos para o mundo” – foi extraída de um texto cristão, provavelmente do século II, conhecido como Carta a Diogneto (“Epist. ad Diognetum”). A Carta responde às perguntas de um pagão culto chamado Diogneto, que queria entender melhor quem eram e como viviam os primeiros cristãos. 

O autor é desconhecido. O texto foi encontrado em 1436, em Constantinopla, com vários manuscritos endereçados a “Diogneto”. Quiçá, se questionados por um amigo pagão ou afastado da Igreja sobre o que somos e como vivemos, como fiéis leigos, fôssemos capazes de dar esta resposta da Carta: 

“Os cristãos não se distinguem dos demais homens nem pela pátria, nem pela língua, nem pelos costumes. Pois não habitam cidades exclusivas, nem usam um dialeto especial, nem levam um gênero de vida fora do comum. A doutrina que professam não é invenção de homens curiosos nem fruto de imaginação humana; não se baseia em princípios de homens, como fazem outros. […] Vivem na própria pátria, mas como estrangeiros; participam de tudo como cidadãos, mas tudo suportam como forasteiros. Toda terra estrangeira é pátria para eles, e toda pátria lhes é terra estrangeira. 

Casam-se como todos e geram filhos, mas não abandonam os recém-nascidos. Põem a mesa em comum, mas não o leito. Estão na carne, mas não vivem segundo a carne. Habitam na terra, mas têm sua cidadania no céu. Obedecem às leis estabelecidas, mas pela sua vida superam as leis. 

Amam a todos e por todos são perseguidos. São desconhecidos e condenados; são mortos e ganham a vida. São pobres e enriquecem a muitos; de tudo carecem e em tudo abundam. São desprezados e nas humilhações são glorificados. São injuriados e abençoam; são ultrajados e honram. […] 

Em resumo: o que a alma é para o corpo, isso são os cristãos para o mundo. A alma está espalhada por todos os membros do corpo, e os cristãos pelas cidades do mundo. A alma habita no corpo, mas não é do corpo; os cristãos habitam no mundo, mas não são do mundo. A alma invisível é guardada no corpo visível; os cristãos são conhecidos por estarem no mundo, mas sua religião permanece invisível. A carne odeia a alma e lhe faz guerra, embora não tenha recebido ofensa, porque ela impede os prazeres; o mundo odeia os cristãos, embora não tenha recebido ofensa, porque eles se opõem aos prazeres. 

A alma ama a carne e seus membros, apesar de ser odiada; os cristãos amam os que os odeiam. A alma está encerrada no corpo, mas é ela que sustenta o corpo; os cristãos estão encarcerados no mundo como em uma prisão, mas são eles que sustentam o mundo. […] Deus lhes destinou um lugar tão nobre, que não lhes é lícito abandoná-lo.” 

Diante da resposta dada a Diogneto, e, em linha com que nos diz o Santo Papa, João Paulo II, na exortação apostólica pós-sinodal Christifideles Laici (“Fiéis Leigos”) – aliás, documento que não podemos deixar de ler –, “temos, pois, de encarar de frente este nosso mundo, com os seus valores e problemas, as suas ânsias e esperanças, as suas conquistas e fracassos” […]. No entanto, sem esquecer, “é esta, todavia, a vinha, é este o campo no qual os fiéis leigos são chamados a viver a sua missão”, ainda que, de maneira silenciosa, mas que transforma o mundo

Logo, como fiéis leigos, “cada qual avalie o que faz e veja se trabalha na vinha do Senhor”. 

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