Os filósofos gregos foram os primeiros no mundo ocidental a refletir sobre o que é a amizade (philìa). Disseram que a amizade pode ser definida como o relacionamento doce e fiel entre pessoas ligadas por uma doação recíproca de bens, seja em nível material, seja espiritual.
As escolas filosóficas desde Pitágoras (570 – 495 a.C.) se formaram entre pessoas que se tornaram amigas para buscar, juntas, a sabedoria, reconhecendo-a como o bem supremo. Nos relatos deixados pelas escolas gregas, encontramos a mais antiga reflexão no mundo ocidental do que é a amizade e as formas de vivê-la. Sócrates (470 – 399 a.C.) é o primeiro a fazer uma reflexão filosófica sistemática sobre a amizade. Suas reflexões foram colhidas e colocadas por escrito pelo seu discípulo, Platão (428/427 – 348/347 a.C.). Para ele, essa experiência nasce com a virtude. Só a pessoa que busca o exercício da virtude, isto é, que busca a beleza, a verdade e o bem no meio das incertezas e dos limites humanos, experimenta verdadeiramente a amizade.
Em sua obra “Lísis”, Platão assim descreve a amizade: “Se te tornares sábio, caro jovem, então todos serão teus amigos e todos ficarão íntimos de ti, pois lhes serás útil e bom. Mas se não te tornares sábio, ninguém será teu amigo”. Explica ainda que é preciso agir bem para viver a amizade; aqueles que não o fazem nunca poderão ser amigos de alguém: “a meu ver […] os bons são semelhantes e amigos entre si, enquanto os maus – é o que se fala deles – nunca serão semelhantes nem mesmo a si próprios, pois são imprevisíveis e instáveis. E aquilo que é dessemelhante e diferente de si mesmo, dificilmente viria a ser amigo de outra pessoa ou semelhante a ela […]: já encontramos, então, quem são os amigos, pois nossa argumentação nos mostra que são os bons”.
Platão explica que a amizade nasce do desejo de vencer o mal com a ajuda do amigo. Afirma que procuramos na amizade ao primeiro amor (pròton phìlon) porque só tem necessidade de amizade quem não é autossuficiente. Portanto, a amizade é uma experiência autêntica enquanto nos permite ter a experiência ascendente de ir em direção ao Sumo Bem, pois o ser humano não é completo em si mesmo. O verdadeiro amigo, por isso, é aquele que vive sinceramente a busca da verdade, da beleza e do bem, para si e para todos.
Essa busca e interesse o torna capaz de aceitar a si mesmo (autàrkes) e ter autodomínio (eukratès). Essas experiências são características de quem tem uma interioridade e unidade em si, resultantes do trabalho ascético, isto é, refletem sobre suas ações, seus significados e observam atentamente a realidade. São pessoas, portanto, que se conhecem bastante e, como consequência desse trabalho, chegam à paz consigo mesmas (apathèia). Outra característica dessas pessoas é a vigilância sobre os instintos e a liberdade de não se deixar dominar, ser escravo deles.
Para Platão, o autodomínio é o resultado de quem adquiriu uma profunda capacidade de reflexão, e esta capacidade, naturalmente, prevalecerá sobre a instintividade. Quando uma pessoa aprende a discernir o que é bom, verdadeiro e belo (sabedoria), não é mais dominada pelos instintos animais naturalmente presentes nela. A pessoa virtuosa, portanto, é a pessoa ordenada.
O mistério da amizade, porém, é grande, e Platão, ao fim de “Lísis”, reconhece isso: “Contudo, enquanto partiam, eu lhes disse: Agora, Lísis e Menêxeno, acabamos de nos tornar ridículos, eu, que sou velho, e vocês. Pois, estes aqui, ao irem embora, dirão que nós nos consideramos amigos uns dos outros – eu já me coloco entre vocês –, mas ainda não fomos capazes de descobrir o que é o amigo”.
Ana Lydia Sawaya é doutora em Nutrição pela Universidade de Cambridge. Foi pesquisadora visitante do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e atualmente é professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O amigo artista Sergio Ricciuto Cont, sempre surpreendente!!
Muito obrigado por compartilhar o conhecimento.