O que São José de Anchieta tem a ensinar em tempos de Sínodo?

Em 2021, o Papa Francisco convocou o Sínodo sobre a sinodalidade, que fez, agora em outubro, uma primeira assembleia sinodal no Vaticano. Em junho, foi publicado o Instrumentum laboris, texto-base que guiou as discussões e propõe atualizações pastorais. Neste tempo de Sínodo, o que São José de Anchieta tem a ensinar?

Anchieta, o missionário jesuíta espanhol, chegou ao Brasil em 1553, com 19 anos de idade, e aqui ficou até falecer, aos 63 anos. Ao se aproximar da realidade dos primeiros brasileiros, os povos indígenas, o Santo percebeu um contexto social que dificultava muito a aceitação da fé por parte daqueles fiéis. Fazia-se necessária uma adaptação.

O jesuíta identificou que a maioria dos indígenas possuía um grau de parentesco, e se uniam sexualmente somente entre indivíduos da própria aldeia. Com essa realidade, seria quase impossível realizar um casamento dentro das leis católicas da época, sendo, por isso, impedidos de receber o Batismo. O missionário constatou que uma norma, aplicável no contexto europeu, não se encaixava tão bem no recém-descoberto Brasil, e, em vez de benefícios, afastava os indígenas da fé cristã.

Anchieta, em carta ao seu superior, sugeriu que a Igreja afrouxasse a norma canônica que regula o casamento entre parentes.

O que o Santo desejava era uma adaptação pastoral, que diante daquele cenário, a Igreja pudesse se adaptar à realidade social para melhor transmitir a fé. O Papa Francisco, jesuíta como Anchieta, quer isso. Uma Igreja aberta para dialogar, ouvir e refletir.

Ainda hoje, muitos se escandalizam quando um sínodo ou concílio propõe mudanças pastorais. Em vez de confiarem nos seus pastores, buscando entender as razões, recorrem às redes sociais para, em tom apocalíptico, propagar terror. Diante da novidade, estes acham que a Igreja está se curvando ao mundo. Isso não é verdade, e Anchieta sabia disso. Não se deve confundir dogmas e tradição com um engessamento da Igreja. Dogmas permanecem, normas pastorais podem ser adaptadas segundo a necessidade. Propor tal discussão não é, como acusam, um rompimento com a tradição. E, aliás, nem tudo o que é debatido é acatado. Não há, portanto, razão para temor.

Por fim, o que vale é a obediência. São José de Anchieta, obediente e pastoral, sugeriu uma mudança, mas sabia que quem julgaria se era conveniente ou não era o Papa, não ele.

Veja o que o Santo escreveu: “…Ajunta-se a isso que, contraído o matrimônio com os mesmos parentes e primos, se torna dificílimo, se porventura queremos admiti-los ao Batismo, achar mulher que, por causa do parentesco de sangue, possa ser tomada por esposa. O que não pequeno embaraço nos traz; porquanto, não podemos admitir a receber o Batismo á que se conserva manceba. Por isso, parece grandemente necessário que o direito positivo se afrouxe nestas paragens, de modo que, a não ser o parentesco de irmão com irmã, possam em todos os graus contrair casamento, o que é preciso que se faça em outras leis da Santa Madre Igreja, às quais, se os quisermos presentemente obrigar, é fóra de dúvida que não quererão chegar-se ao culto da fé cristã.” (Cartas, informações, fragmentos históricos e sermões do Padre Joseph de Anchieta, S. J., 1554-1594, Vol. 2, Biblioteca de Cultura Nacional, Editora Civilização Brasileira, 1933).

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vera braga
vera braga
7 meses atrás

Texto que conforta o coração de quem o lê. Belíssimo, humano, pleno de amor.