Certa vez, nos meus primeiros meses de padre, há quase 25 anos, entrei numa casa de idosos para fazer uma visita. Não conhecia o casal. Fui recebido pela senhora, que me acolheu com um belo sorriso nos lábios, com um semblante amigo e encantador. Entrando em casa, deparei-me com o seu marido, que me fez sentir um incômodo muito grande. Na verdade, tive a impressão de que eu não era muito bem-vindo, de que estivesse atrapalhando o andamento de sua casa. Ele tinha um semblante frio, indiferente e um pouco irritado.
Como eu era padre novo, queria muito pôr em prática tudo que tinha aprendido até então. Queria ver se conseguia me comunicar com aquele senhor, que parecia tão fechado e pouco interessado nas minhas tentativas de fazer amizade. Fiz muitas perguntas, com a intenção de que pudessem ser chaves para abrir aquele coração. Demorou um pouco, mas tudo mudou quando lhe perguntei sobre sua profissão. Ele me respondeu que era barbeiro.
Eu comecei, então, a fazer alguns comentários sobre o que eu tinha experimentado em barbearias. Perguntei-lhe se ele era barbeiro mesmo, dos mais tradicionais, ou se era cabeleireiro, dos mais modernos. Ele respondeu cheio de orgulho que era barbeiro. Indaguei, então, se ele já tinha usado aquelas “máquinas” antigas de cortar cabelos, aquelas que eram manuais e que, às vezes, cortavam os cabelos e alguma parte do coro cabeludo também. Ele disse que sim, que era um homem das antigas. Foi interessante porque, quem até ali não queria conversar, passou a responder qualquer coisa que eu perguntasse, desde que fosse sobre aquele assunto.
Em um determinado momento, entretive-me com a simpática senhora e ele sumiu. Saiu sem que eu percebesse. Mas, quando voltou, trouxe uma pequena caixa, de onde começou a tirar seus antigos instrumentos de barbearia e perguntar se eu já tinha visto cada um deles. De fato, reconheci aquela máquina do tempo de minha infância, do barbeiro da rua de casa, um velhinho que já não enxergava bem e não distinguia o cabelo da cabeça. O resultado é que depois de rezar com eles, ao me despedir do casal, aquele senhor tinha um sorriso no rosto que superava em muito o da sua senhora. Parecia a pessoa mais feliz do mundo. E tudo tinha acontecido porque fiz uma pergunta certa. Fiquei imaginando o significado daquela mudança. Entendi que se tratava de um homem triste. E sua tristeza tinha nome: falta de sentido! Sentimento de inutilidade! Percebi que como se tratava de uma pessoa bastante rígida e tímida, sua profissão tinha sido sua vida. E, agora, ele não trabalhava mais. Talvez tivesse lhe faltado saúde, quem sabe tinha sido superado e não rendia mais ou não conseguia concorrer com os profissionais mais atualizados, talvez não tivesse mais freguesia, ou ainda, quem sabe, tivesse apenas se cansado de trabalhar. Mas, o fato era que ele não se sentia mais vivo, porque sua vida tinha ficado na barbearia.
Curioso que a vida dos discípulos de Jesus tivesse começado quando os pescadores abandonaram as barcas, o coletor de impostos deixou a mesa de cobrança etc. Mas, uma boa conversa pode mudar as coisas, pelo menos, no momento presente. Contudo, a questão é: como achar a conversa certa? Pois, a resposta está na compreensão de que é preciso conseguir entender o significado das coisas para cada pessoa. Aquela pequena caixa era um segredo, um símbolo. E ele resolveu abri-la para mim. Sorte minha! Nenhum dinheiro do mundo poderia me fazer sentir tão recompensado por ver um sorriso naquele rosto tão triste que encontrei quando cheguei. Fiquei pensando que eu poderia entender um pouco mais a razão de Jesus ter perguntado aos discípulos: “E para vocês, quem sou eu?” Ou o que Paulo queria dizer quando falava que a Cruz era loucura para os gregos e escândalo para os judeus, mas para os que creem no Cristo ela é sabedoria e poder de Deus. Penso no significado do pão e do vinho na Eucaristia, para os discípulos, para a Igreja, mas, sobretudo, para mim. Todos nós temos nossas pequenas caixas, que não abrimos para qualquer pessoa. Essas caixas estão cheias de vida e de significado.