A dimensão político-social do trabalho pastoral e a militância partidária

Nos primeiros meses de 2024, duas situações com implicações políticas fizeram com que sacerdotes muito conhecidos se tornassem notícia nos jornais brasileiros. As acusações, para cada um, vêm de lados opostos do espectro ideológico. Não é o caso aqui de querer julgar fatos ou pessoas. Não somos juízes de nossos irmãos. Cada uma dessas situações implica julgamentos a serem realizados pelas instâ̂ncias competentes e não em debates estéreis e polarizados.

Contudo, sempre que esses casos aparecem, insinua-se na comunidade católica uma diabólica falta de discernimento, que leva à divisão interna e ao afastamento em relação à verdadeira mensagem cristã. Tendemos a considerar que os padres com os quais simpatizamos estão sendo atacados porque lutam pelo bem a partir dos ideais e valores cristãos, enquanto aqueles com os quais antipatizamos estão traindo seu compromisso cristão em nome de posições ideológicas e partidárias.

Todo gesto que realizamos em sociedade tem um peso político. A política, entendida como a gestão compartilhada da sociedade, acompanha toda a nossa vida. Até a opção por “não fazer política” tem um enorme peso político: significa aprovar tacitamente as ações políticas dos demais. Todo trabalho pastoral tem uma dimensão política inevitável. A própria homilia dominical, por menos que o pregador deseje, ajudará a moldar uma consciência moral que incide sobre nosso comportamento político.

Nesse sentido, toda a nossa vida eclesial é eminentemente política. E a conduta dos sacerdotes e das lideranças comunitárias é ainda mais evidentemente política que a dos demais. Mas, numa sociedade polarizada como a nossa, é importante distinguir a dimensão político-social de toda ação eclesial daquilo que seria um empenho político-partidário das lideranças e dos sacerdotes. O Código de Direito Canônico proíbe explicitamente o trabalho partidário dos sacerdotes (cf. Câ̂n. 285 e 287) e o Compêndio da Doutrina Social da Igreja encoraja os leigos à participação política, mas lembra que a comunidade eclesial não pode ser forçada a um compromisso partidário (cf. CDSI 573-574).

O desaconselhamento à ação partidária se deve à própria missão da Igreja, que é levar Cristo a todos, independentemente da posição ideológica de cada pessoa, e ao primado da unidade, que frequentemente comprometida pelo partidarismo. Essas razões, contudo, não eliminam o dever de todo cristão, sacerdote ou leigo, de comprometer-se com o bem comum e denunciar a injustiça. Cria-se assim um quadro preciso com relação à filiação partidária, direta ou indireta. Mas cabe ao discernimento de toda a comunidade, padres e leigos, evitar a contaminação ideológica que afaste a comunidade de sua adesão à pessoa de Cristo e aos verdadeiros valores evangélicos.

Deve ser claro, contudo, que para todo cristão, seja sacerdote, seja leigo, se posicione num lugar ou outro do espectro político, vale como mandamento maior amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo (cf. Mt 22, 37-40; Mc 12, 28-34; Lc 10, 25-28). Esse amor é a base da Doutrina Social da Igreja (cf. CDSI 3-6). Podemos discordar e debater para encontrar as melhores formas de realizar esse amor na vida social, mas ele é um ponto que deve nos congregar mesmo nos momentos de conflito político. Antes de aceitarmos críticas ideológicas aos trabalhos da Igreja, precisamos reconhecer a dimensão política da caridade social e manter uma permanente revisão do nosso próprio compromisso com o bem comum.

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