A falácia do aborto legal

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem se posicionado seguidamente sobre o tema do aborto no Brasil, respondendo a ações a ele endereçadas por grupos que alegam que a proibição do aborto seria inconstitucional no Brasil. A mais recente dizia respeito a uma resolução do Conselho Federal de Medicina sobre a realização do aborto, em casos previstos por lei, quando o embrião já tivesse mais de 22 semanas. Mas, o que diz realmente a legislação brasileira, em seus vários níveis, sobre o direito à vida do nascituro? 

Apesar da insistência midiática, não há aborto legal no Brasil. O que existe, na legislação federal, são as duas dirimentes previstas no art. 128 do Código Penal: a do inciso I, que trata do dito aborto “necessário”, previsão paradoxalmente desnecessária, pois o art. 24 da parte geral do mesmo Código Penal já institui o estado de necessidade como excludente para todo e qualquer crime; e a do inciso II, que abrange o aborto quando a gravidez resulta de estupro. Repito: não há aborto legal, o que há é aborto não penalizado ou aborto sem pena. Há também o caso contemplado pelo julgamento da ADPF 54, em que o STF excluiu a tipicidade do abortamento de feto anencefálico, porém, neste último caso, é mais correto falar em aborto jurisprudencial ou aborto judiciário do que em aborto legal.

Não obstante, o direito penal é apenas uma parte do direito e uma parte sujeita ao princípio da fragmentariedade, a ultima ratio do direito. A verdade está sempre no todo, pois texto sem contexto é pretexto: a determinação do direito, concebido como ipsa res justa, requer o conhecimento integral e a interpretação sistemática de suas fontes.

Assim, pelo art. 2º do Código Civil, “a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”, reconhecendo que este tem verdadeiros direitos subjetivos e não meras expectativas de direito e que, portanto, o nascituro é pessoa não apenas no sentido objetivo ou ontológico, como também no sentido de sujeito de direitos, personalidade esta sujeita a condição resolutiva e que se torna definitiva com o nascimento com vida, retroagindo à concepção. Houvesse aborto legal, os direitos do nascituro não estariam, conforme o preceito legal, “a salvo, desde a concepção”. O art. 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente também consigna que a criança tem direito à “efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento”, o que obviamente não é compatível com o aborto. Aliás, só pode ter direito ao nascimento a criança que ainda não nasceu.

Também o caput do art. 5º da Constituição Federal (CF) proclama “a inviolabilidade do direito à vida”. Alguém poderia objetar que esse direito concerne apenas “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País”, como enuncia a letra do dispositivo. Isso porque, se, por um lado, o nascituro não é estrangeiro, por outro, os brasileiros o são por nascimento ou por naturalização e os nascituros, por definição, são aqueles que ainda não nasceram. Estariam por isso os nascituros excluídos da proteção constitucional? Ora, o caput do art. 5º deve ser lido em consonância com o seu parágrafo 2º, que fixa dois importantes elementos para a sua interpretação.

Em primeiro lugar, o § 2º do art. 5º da CF determina que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados”. Isso quer dizer que o texto do próprio artigo 5º nunca pode ser interpretado para excluir direitos, mas apenas para ampliá-los: em se tratando de direitos fundamentais e liberdades públicas, deve-se optar sempre pela interpretação mais favorável ao direito, no sentido do princípio favorabília amplianda, odiosa restringenda. Destarte, assim como a menção “aos estrangeiros residentes no País” não pode ser invocada para excluir do direito à vida os estrangeiros não residentes, mas em trânsito pelo território nacional, tampouco justifica a exclusão dos indivíduos já concebidos, mas que estão por nascer.

Em segundo lugar, o mesmo § 2º invoca para a interpretação do art. 5º «os tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte». Ora, entre esses tratados encontra-se a Convenção Americana dos Direitos Humanos, também chamada Pacto de São José da Costa Rica (cidade em que foi assinada). Tal convenção foi ratificada pelo Congresso Nacional do Brasil e promulgada pelo decreto n. 678, de 1992. Em seu art. 4º, essa convenção estipula que o direito à vida deve ser protegido por lei desde a concepção e, mais importante, em seu art. 3º reconhece a todo o indivíduo o direito à personalidade jurídica, ou seja, o direito a ter direitos.

Porém, mesmo que abstraíssemos o § 2º do art. 5º da CF e considerássemos que a proteção constitucional da vida tivesse início no nascimento, ainda assim o aborto seria uma fraude à Constituição, pois teria o objetivo de impedir a aplicação do preceito constitucional, violando-o obliquamente: para frustrar a proteção constitucional da vida humana, mata-se o nascituro ainda no ventre.

Não obstante, é preciso ressaltar que, se o art. 188, II, do Código Civil, contempla o estado de necessidade como excludente para a responsabilidade civil, como os arts. 24 e 128, I, do Código Penal, para a responsabilidade penal, nem o Código Civil, nem o Estatuto da Criança e do Adolescente, nem a Constituição Federal, nem a Convenção Americana dos Direitos Humanos fazem qualquer ressalva para o aborto praticado quando a gestação decorre de estupro. Portanto, a dirimente do art. 128, II, CP, apenas exclui a responsabilidade penal do fato típico, sem impedir que instâncias independentes do juízo criminal, como o Conselho Federal de Medicina, exerçam seu poder normativo e disciplinar sobre o mesmo fato.

9 comentários em “A falácia do aborto legal”

    • Teriam que ter sido abortados essas pessoas que são a favor de matar bbs ainda no ventre da mãe!! Mas vai mexer com um ovo de tartaruga??? Absurdo total isso viu

  1. Aborto,em qualquer situação ,é crime.
    Ao ser formado,já contém todas as qualidades constitutivas de um ser humano,assim como a semente contém todas as partes de um ser vegetal.

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  2. Aborto é um crime,deixem os inocentes nascer é um absurdo uma coisa dessa tirar a vida de um inocente de um ser que não sabe se defender

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