Antinatalismo em nossa sociedade

O antinatalismo contemporâneo assume várias formas, como esses dois exemplos em portais de notícias que me chamaram a atenção nestes dias. A primeira era uma notícia: “Homem some ao saber que seria pai de trigêmeos. Foi trabalhar e nunca voltou”. E, a segunda, uma opinião baseada em uma situação corrente: “Mulheres se preocupam menos com amor e mais com si próprias e com carreira.” Aparentemente são duas situações díspares, mas procurarei mostrar que não são. Elas dizem respeito ao individualismo moderno, com consequências não desprezíveis.

Trata-se de um ideal humano que foca, de um lado, a carreira e o sucesso profissional, e, de outro, o indivíduo como detentor de direitos, o principal deles o de “ser feliz”. Vejamos o caso dos filhos – estes não deveriam “atrapalhar” o objetivo de realização pessoal. Imagine alguém que planeja ter um único filho, baseado em critérios de gastos de tempo e dinheiro e o foco no próprio sucesso. Três de uma vez? Tô fora! É cruel, a mulher fica sozinha com toda a responsabilidade e o ônus de fornecer uma vida digna às crianças. E os sonhos e planos dela?

Com companheiros assim, não admira que muitas mulheres fujam de relacionamentos e foquem a carreira e a própria felicidade. Acontece que para um indivíduo proclamar seu direito à felicidade é necessário que ele exista, e, para tanto, uma miríade de outros antes dele tiveram a nobreza de possibilitar a próxima geração. Agora, esse indivíduo considera-se o pináculo da evolução humana, não sendo necessário admitir o direito de futuras pessoas virem a ser.

O ser humano, porém, foi criado para amar, gerar e manter um relacionamento que não se fecha em si, mas se abre a enriquecer-se com outros. O resultado de tal abertura ao amor e dos compromissos em seu nome assumidos pode frustrar sonhos e planos: em vez de um filho, podem vir três; em vez de um filho “perfeitinho”, pode vir um com deficiência, que exige uma readequação de planos de carreira e realização pessoal.

O individualismo que aqui salientamos, associado a um amor descompromissado, que se fecha em dois (e até o “poliamor”) é incompatível com a noção cristã da vida e do amor como dons. A felicidade resultante da noção cristã supõe um empenho profundo com a vida, e não com o “sucesso”. Pode ser igualmente feliz a pessoa com um filho ou quatro, com um filho “normal” ou deficiente. Reconhecendo que com mais frequência o ônus da criação dos filhos recai sobre a mulher, cabe à sociedade e às estruturas econômicas promover o equilíbrio, para garantir a coexistência do ter filhos e da carreira, para incentivar os homens a assumir os filhos que a vida lhes trouxer, para colaborar com a mulher na tarefa reconhecidamente difícil de preparar a nova geração de humanos. É uma pena que muitos hoje, mirando a uma visão hedonista de felicidade, recorram a soluções individuais e acabem preferindo pets a filhos. Destaque-se, pois, a relevância e a urgência do testemunho da Igreja e das famílias cristãs, em favor de um entendimento relacional do ser humano e de um lugar para as novas gerações.

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