Bets e educação ética

Certo dia, o Brasil “descobriu” que as apostas on-line, as bets, eram um problema social. Antes, poucos falavam no assunto e a preocupação tanto do Executivo quanto do Legislativo era legalizar o jogo para arrecadar mais impostos. Contudo, naquele dia, o Brasil se deu conta de que o imenso volume de dinheiro perdido nas bets impactava a economia como um todo. Descobriu-se que o vício do jogo é atualmente um problema de saúde pública; que os mais pobres, apostando, perdem um dinheiro que não têm; que os jovens estão expostos o tempo todo à propaganda dos jogos; que influenciadores, clubes de futebol e até atletas olímpicos incentivam o jogo… Em nossa sociedade, o vício só é considerado problema depois que afeta negativamente a economia. Foi assim com o tabaco, que passou a ser alvo de campanhas de conscientização depois que as empresas pagaram indenizações milionárias a vítimas do tabagismo; é assim com o consumo de maconha, que chega a ser defendido em nome do aumento de arrecadação tributária…

No caso das bets, assim como nas polêmicas campanhas de desinformação, os problemas são semelhantes: estão difusas na sociedade, chegam, de forma quase inevitável, a quem tem um telefone celular (e até crianças têm o seu); seu centro de operação pode estar em qualquer lugar do mundo; entregam ao usuário um lazer que, na medida justa, é necessário a todos. Torna-se conceitualmente difícil separar a justa regulação da mera censura; não se dispõe de ferramentas técnicas para exercer o controle do modo desejável.

O Estado, em um caso como este, tem uma responsabilidade inegável perante o bem comum. Porém, não se pode delegar a ele toda a responsabilidade – tal concessão será sempre pouco eficiente e contaminada por debates ideológicos. A internet e as redes sociais, com sua capacidade de entrar em nossa intimidade, se ajustando para serem sempre mais capazes de direcionar nossos comportamentos, levaram a necessidade da educação ética a um novo patamar. E basta ver o perfil dos seguidores dos influenciadores mais toscos e agressivos ou dos adictos a drogas pesadas, para constatar que a escolaridade, por si só, não garante essa educação.

Quem foi acostumado a comer pratos saborosos, poderá até matar a fome com uma comida insossa, mas não ficará satisfeito com ela. Assim também, nosso grande desafio educativo atual é educar os jovens (e muitos adultos) a realizar seu desejo mais profundo com experiências que permitam, realmente, dilatar sua humanidade, realizar sua dignidade pessoal, encontrar o amor a que todos sempre ansiamos. Precisamos de uma educação que integre a satisfação de prazeres e vontades (indubitavelmente necessária para uma vida saudável) com a construção de uma personalidade madura e sadia, com o justo discernimento que libera da pressão midiática e da adicção estimulada socialmente.

O estoicismo moral, uma justa educação aos valores, a empatia com aquele que sofre são virtudes louváveis. Contudo, o mero voluntarismo pode preservar a alguns, mais firmes e seguros, mas terá sempre um alcance limitado. É preciso oferecer esse “prato saboroso” que é a realização das exigências mais profundas do coração humano, para que a pessoa se dê conta do quanto certos prazeres são insatisfatórios, enquanto outros se integram harmoniosamente com seus anseios mais profundos.

Essa educação integral é uma tarefa comunitária. Depende da família, mas transcende a família, passando pelos espaços de amizade, pelo testemunho dos professores e de outros adultos. É um caminho de sabedoria tão antigo como a própria civilização, mas que precisa ser reconstruído a cada geração – mais ainda pela nossa.

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