Democracia, injustiça social e Federação

Sergio Ricciuto Conte

Há 30 anos o primeiro presidente eleito diretamente após o regime militar, Fernando Collor de Mello, renunciou numa manobra para evitar o impeachment. Aquela renúncia mostrou que a soberania do povo se exerce também pelas vias da democracia direta, expressa na voz das ruas, que clamou pelo afastamento do presidente.

A Presidência foi então sucessivamente ocupada por Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Messias Bolsonaro. Esta sequência sinaliza que o poder transitou por diversos grupos políticos, coalizões e partidos de várias tendências, todos sustentados pela democracia representativa exercida pelo voto.

Em que pese a resiliência das instituições democráticas, persistem as estruturas de injustiça social que afetam milhões de crianças, jovens, adultos e idosos em condições de pobreza e miséria. Vale notar que, neste mesmo período, a agenda social emergiu e submergiu na inconstância de projetos e programas – alguns transformados em políticas de Estado fundadas em estruturas burocráticas estáveis, como o Sistema Único de Saúde (SUS).

Na história dos governos federais pós-ditadura, assim nos parece, prevaleceu a agenda econômica, que, mesmo nas mãos de partidos tidos como progressistas, buscaram afastar o Estado das instituições do mercado facilitando a circulação do capital nacional e internacional. O combate à inflação, a privatização de estatais, o financiamento público a grandes empresas e o controle do gasto público têm sido a tônica das políticas macroeconômicas.

Para o enfrentamento da injustiça social serão necessárias mudanças nas estruturas políticas e administrativas. Neste sentido, três reformas poderiam ser apontadas: (1) a reforma política, que diz respeito ao sistema partidário e eleitoral; (2) a reforma tributária que diz respeito à competência para arrecadar e distribuir impostos; (3) a reforma federativa, que diz respeito às atribuições para formular e implementar políticas públicas construídas de forma integrada pelos municípios, estados e União, no espírito da cooperação federativa, a exemplo do SUS.

Essas reformas deverão passar pela revisão da legislação infraconstitucional, entre elas o Código Eleitoral e o Código Tributário, instituídos no final dos anos 1960, numa época em que prevalecia o espírito do autoritarismo e da centralização do poder.

A Constituição de 1988 trouxe o ambicioso projeto democrático de uma Federação descentralizada e animada pelo princípio da subsidiariedade, muito valorizado pela Doutrina Social da Igreja. Ainda que de forma pouco perceptível, parece estar em curso a (re)construção do edifício do Estado, de baixo para cima, a partir dos municípios, passando pelos estados até se chegar à União.

A cultura de um presidencialismo tendencialmente centralizador ainda mascara esse processo. No entanto, os eleitores irão eleger também senador, deputado federal, governador e deputado estadual, os quais, na perspectiva do Federalismo, terão muita importância na agenda de superação das injustiças sociais ao longo dos próximos anos.

A Doutrina Social da Igreja, nas palavras de São João Paulo II, tem uma “simpatia pela democracia” e exorta os cidadãos à participação democrática para a construção de uma “política melhor”, como tem dito o Papa Francisco. Trata-se de um compromisso do qual os brasileiros não poderão fugir, neste momento e ao longo das próximas décadas, na perspectiva do processo democrático pelas vias diretas e indiretas.

As opiniões expressas na seção “Opinião” são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editorais do jornal O SÃO PAULO.

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