A frase acima reproduz o título da mensagem do Papa Francisco para o 110º Dia Mundial do Migrante e Refugiado, celebrado em 29 de setembro. O conceito bíblico de que “Deus caminha com seu povo” tem origem no capítulo três do Livro do Êxodo. Ali, na experiência da sarça ardente, Javé diz a Moisés: “eu vi a miséria do meu povo que está no Egito”; “Ouvi o seu clamor por causa dos seus opressores”; “conheço as suas angústias”; por isso, “desci para libertá-lo da mão dos egípcios, e para fazê-lo subir daquela terra a uma terra boa e vasta, terra que mana leite e mel”; “eu te envio a Faraó para fazer sair do Egito do meu povo” (Ex 3,7-10).
Convém ter presente os cinco verbos, na primeira pessoa do singular, atribuídos a Javé – ver, ouvir, conhecer, descer e enviar – que indicam atenção, cuidado e vigilância para com o sofrimento dos escravos, das pessoas mais vulneráveis. Os primeiros três verbos – ver, ouvir e conhecer – revelam a proximidade de um Deus sensível, inteiramente distinto dos deuses dos impérios vizinhos, sentados comodamente em seus luxuosos tronos, habitando suntuosos palácios. Os outros dois verbos – descer e enviar – apontam para a ação libertadora. O Senhor desce na medida em que chama e envia seus mensageiros para tirar o povo da escravidão.
A plenitude desse “descimento” de Deus dar-se-á mais tarde, no mistério da Encarnação, momento em que o Pai envia seu próprio Filho. “O verbo se fez carne a habitou entre nós” (Jo 1,14). Como dirá São Paulo na carta aos Filipenses, “Ele tinha a condição divino, mas não se apegou ciosamente a essa condição; ao contrário, esvaziou-se a si mesmo e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana; humilhou-se e foi obediente até a morte e morte de cruz” (Fl 2,6-8). O poder do Senhor se converte em serviço.
Tanto no encontro de Moisés com Javé quanto na Encarnação do Verbo, Deus se abaixa de sua condição divina, passando a caminhar conosco pelas trilhas árduas e sinuosas da história. No Antigo Testamento, Ele o faz acompanhando seu povo pelas estradas do êxodo, do deserto e do exílio. Com efeito, a arca de Javé segue os passos dos escravos libertos, habitando em uma tenda em meio ao acampamento. No que se refere ao Novo Testamento, o próprio Jesus se faz um “profeta itinerante de Nazaré” pelos caminhos da Galileia, da Samaria e da Judeia, até chegar em Jerusalém, onde se realizará o mistério salvífico da Morte e Ressurreição.
Não será diferente nos dias de hoje. Mesmo que os países em guerra ponham seus filhos em fuga, mesmo que a pobreza e a fome os leve a buscar melhores condições de vida fora da terra em que nasceram, mesmo que os efeitos catastróficos das mudanças climáticas desenraizem milhões de pessoas – Deus jamais abandona seus filhos e filhas pelos obstáculos e armadilhas da fronteira. Pelo contrário, além de caminhar com eles nessa difícil travessia, faz deles verdadeiros mensageiros da Boa Nova do Evangelho. Conforme a Doutrina Social da Igreja, no coração de cada pessoa e no coração de cada cultura nascem sementes do Reino. Tais sementes, quais valores vivos e criativos, haverão de germinar no encontro, no diálogo e na solidariedade com outros povos.