É na fraqueza que somos fortes

Vendo tantos que sofrem na atual pandemia, o que fazer? A solidariedade parece ser um chamado urgente, mas com que palavras evocá-la neste contexto?

Arte: Sergio Ricciuto Conte

Soletrar “COVID-19” pode ser desagradável por destrinchar o que aparece em meio a ela. Mas talvez valha tomar “CO” pela 2ª Epístola aos Coríntios, “VI” como seu sexto capítulo, e, saltando o “D”, ler o versículo 9: “Como desconhecidos e, não obstante, conhecidos; como moribundos e, não obstante, eis que vivemos; como punidos e, não obstante, livres da morte” (2Cor VI,9).

Sofremos; mas é justamente nesta fraqueza comum que temos nos identificado em um mesmo barco, como nos lembrava o Papa Francisco, em sua mensagem de 27 de março.

De que virtudes carecemos agora para trazer esta solidariedade à prática? Tem-se a impressão de que a “coragem” estaria reservada aos profissionais da saúde, assim como àqueles que mantêm os serviços essenciais, pois são eles que saem, como guerreiros, para a chamada linha de frente da batalha. É claro que devem ser muito elogiados, mas restringir a coragem a eles talvez remeta a uma concepção calcada em um passado de guerras, quando se pensava que apenas o soldado que ia a campo agia corajosamente.

Não nos enganemos com simplificações: já no diálogo platônico Laques, quando o personagem homônimo propõe que a coragem estaria em nunca abandonar o próprio posto no campo de batalha, Sócrates responde que pode também existir uma coragem em recuar (Laques, 191a). Pensemos, por exemplo, em retirar-se para trazer o inimigo até o seu campo de batalha, para aí vencê-lo, pois a coragem não pode ser exercida desvairadamente: uma virtude se acompanha de outras, e quem é corajoso deve também ser prudente e temperante. Faz-se necessário avaliar a situação para decidir como agir, e não meramente avançar.

Vivemos hoje um “Paradoxo da Prevenção”, tal como formulado por Geoffrey Rose: uma situação na qual “uma medida preventiva que traz grandes benefícios à comunidade oferece pouco a cada indivíduo participante”. Logo, “ajudar” permanecendo em casa poderia parecer um “paradoxo”. No entanto, como declarou a Academia de Ciências do Vaticano, em 20/03/2020, “atualmente, o paradoxo é que percebemos a necessidade de cada pessoa cooperar com as outras justamente quando devemos nos isolar de todos os outros por razões de saúde. No entanto, é um paradoxo apenas aparente, pois ficar em casa constitui um ato de profunda solidariedade. É ‘amar ao próximo como a si mesmo’Outra lição que a pandemia nos ensina é que, sem solidariedade, liberdade e igualdade não passam de palavras vazias” (Papa Francisco).

Trata-se de um paradoxo, portanto, apenas aparente: ficar em casa constitui um ato heroico. Para realizá- -lo, por estranho que pareça, é preciso ter coragem. Saibamos ficar em casa: este é o ato de heroísmo, tão silencioso, esperado de nós neste momento.

Não digo que seja simples, pois as disparidades em nosso País são enormes, e tal ato não representa o mesmo desafio para cada um, pois alguns estão desprovidos de condições básicas. É belo, no entanto, o ato daqueles que não saem de casa essencialmente pelo outro, pelo desconhecido em quem veem a sua humanidade.

São Paulo também lembra que “é na fraqueza que a força manifesta todo o seu poder” (2Cor 12, 9). Estamos num momento de fraqueza, mas, se conseguirmos reconhecer que neste barco somos todos frágeis, talvez possamos confiar e tentar nos unir para encontrar, na fraqueza, a nossa força.

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