Não muito tempo atrás, o ter uma criança era algo natural na sociedade. Apesar das preocupações e durezas de gestar e acompanhar uma criança, supunha-se que o ter filhos era um papel importante para a manutenção e o reavivamento da sociedade. Ademais, a criança vinha como uma graça, uma surpresa, em geral positiva. Aceitava-se a criança assim como a natureza a fornecia.
Mas uma rebelião silenciosa se instalou entre os adultos. Ter uma criança tornou-se uma questão de escolha, inclusive quanto ao genótipo do ser em questão. Duas notícias recentes reforçam esse viés narcisista de nossa geração. A primeira diz respeito a uma startup em Israel que desenvolveu uma tecnologia que torna a fertilização in vitro mais barata, segura e eficiente. Uma consequência dessa nova facilidade é que realizar uma fertilização deixa de ser a última opção de um casal que apresenta dificuldade de ter filhos, e passa a ser mais um procedimento rotineiro para quem quiser ter um bebê sob demanda, ajustado geneticamente de acordo com a preferência. Os outros embriões são descartados por serem “menos viáveis”. É a reprodução por capricho, não só para um casal que só admite ter filhos se puder controlar a “qualidade de fábrica” deles, mas, também, mais uma possibilidade que mulheres deixem de se dar ao trabalho de se relacionar e amar um homem para ter seus próprios bebês. Além disso, como é quase senso comum hoje, ter um filho acaba se subordinando às demandas da carreira. Como diz a reportagem, como mais e mais mulheres atrasam o ter filhos devido ao estilo de vida e a busca de sucesso na carreira, a demanda pela In Vitro Fertilization (IVF) está aumentando e vai acelerar nos próximos anos.
A outra notícia diz respeito a um holandês que já doou sêmen para mais de 200 mulheres, uma prática que levantou preocupações com casamentos consanguíneos. Entretanto, talvez a preocupação seja outra. Pessoas normais se relacionam com pessoas similares, gerando bebês normais, mas isso dá lugar agora a mulheres que procuram doadores que apresentam características ideais em uma sociedade de consumo, desacoplando as reações sexuais da procriação (como no “Admirável mundo novo”, de Aldous Huxley). Tanto na primeira matéria quanto na segunda, a palavra “casal” não surge, reforçando-se, assim, a impressão de um capricho para combater a solidão, como se fosse o mesmo que adotar um pet.
Tanto no caso da IVF quanto no caso da doação, o que se tem efetivamente é uma forma de eugenia (ainda que todos digam que não), pura e simples.
É verdade que no passado já existiam situações diferenciadas daquilo que se considerava um padrão, mas hoje há uma recusa de qualquer padrão que seja. O bebê deixa de ser o fruto da relação de um casal e passa a ser uma entre outras comodities, passível de escolha como se faz, por exemplo, ao se mudar a decoração da casa. Não se “tem” mais crianças, agora elas são feitas. Há a urgência, portanto, de denunciar essa nova forma de eugenia, que infelizmente está se tornando o “novo normal”.
Eduardo R. Cruz é professor titular do Departamento de Ciências da Religião da PUC-SP.