No livro Iniciação à Estética, Ariano Suassuna mostra que as Artes lidam com o sensível e, por meio delas, a pessoa se atenta para coisas às quais talvez nunca pensaria. Hoje, as Artes e os grandes aparelhos culturais têm uma tarefa urgente: incluir pessoas socialmente excluídas em aparelhos culturais de relevância em nossa sociedade, tais como orquestras, companhias de dança e de teatro, promovendo a reflexão sobre o seu papel na sociedade, superando o capacitismo (discriminação de pessoas com deficiência).
No entanto, conhecendo processos de seleção praticados nessas companhias, é possível observar que a questão de incluir outros tipos de corpos não está presente na maioria. Aqui não se questiona o direito de selecionar pessoas com determinadas habilidades, mas sim a necessidade de expandir o entendimento de que outras também podem atuar. A proposta é a de pleitear que algumas companhias se abram para outros entendimentos sobre a capacidade de fazer Arte. Existem artistas que não são lindos e seus corpos não cabem no entendimento estreito de perfeição que ficou estabelecido, mas têm uma alta capacidade para outros desempenhos, igualmente capazes de promover reflexões no público. O que aqui se pleiteia é a busca de mais diversidade, de uma pluralidade de corpos mostrando diversas maneiras de se fazer Arte.
São necessários programas para a inclusão de artistas com deficiência em projetos artísticos nos quais atualmente não há espaço para eles. Desse modo, a pessoa com deficiência poderá mostrar ao público que é um artista.
Uma coisa é uma companhia de balé dançando o mais belo que existe nas Artes. Outra, também possível, é uma companhia de balé agregando pessoas com deficiência e pessoas sem deficiência. A Associação Fernanda Bianchini, que trabalha com bailarinos deficientes visuais, é um exemplo de quem já faz isso, e o reconhecimento ao seu trabalho é a melhor prova de que abre campo para outras propostas em torno do balé. Grandes orquestras e companhias, muitas vezes, possuem um núcleo de formação que acolhe pessoas na infância e na adolescência, formando-as para se tornarem seus futuros integrantes. Seria importante que, nesta “categoria de base”, os projetos culturais com propostas artísticas distintas abrissem mais espaços a crianças e jovens que tenham alguma deficiência e vontade de estar naquele núcleo.
A formação de um artista não acontece de uma hora para outra. Trata-se de uma construção de uma vida inteira. Se mais projetos não capacitistas começarem a existir no campo das Artes, mais artistas com deficiência poderão ser formados e contribuir com projetos artísticos plurais, que convivam com os que já existem. A luta precisa ser pelo aumento de propostas artísticas diferentes, para que não se eternize apenas um tipo de projeto artístico, um único entendimento de qual é o mérito a ser contemplado. Trata-se de uma proposta de mais diversidade, pois, se forem vários os projetos artísticos, serão vários os modelos dos processos de audição, nos quais caberá a possibilidade de reconhecer a singularidade de cada um.
O grande poder de transformação das Artes é a facilidade que elas têm para mexer com o sensível, e, se elas são uma forma de tocar o sensível das pessoas, a possibilidade de conviver com diferentes propostas artísticas, realizadas por corpos com deficiência ou não, contribui enormemente para um equilíbrio mais justo entre pessoas com e sem deficiência, seja nos palcos, seja fora deles.
Arthur Acosta Baldin é ator e professor de Teatro, com ênfase em Arte e Deficiência.
Belíssimo texto Arthur. Com certeza precisamos de olhares mais empáticos para a questão, podendo então, buscar em nossa sociedade este equilíbrio justo que tanto ansiamos.
Parabéns por escrever sobre a arte e a diversidade, seu olhar nos mostra a realidade oculta que a sociedade e os artistas sem consciência impõe.
Ótimo texto! Claro e esclarecedor. Pontual e amplificador de mentes para um mundo que reconhece a diversidade como uma das mais ricas contribuições da arte! Continue escrevendo textos tão importantes e necessários como este. Parabéns! Abraços, Leandra Migotto Certeza – feminista, escritora e jornalista com deficiência