Neste mês de agosto, vale refletir sobre o chamado e a resposta de Natanael. Trata-se de uma vocação curiosa, que serve de exemplo; Filipe dá a notícia de que encontraram o Messias: “É Jesus de Nazaré, o filho de José”. Natanael parece meio desconfiado: “De Nazaré pode sair coisa boa?”. Filipe, então, o conduz ao Nazareno. Vendo-o aproximar-se, Jesus comenta: “Eis um israelita verdadeiro, sem falsidade”. É fácil supor que a desconfiança do novo discípulo aumenta ainda mais: “De onde me conheces?”. E Jesus lhe diz: “Antes que Filipe chamasse, eu o vi debaixo da figueira” (Jo 1,43-51).
Que representa para Natanael a figueira? Não será o lugar secreto para onde ele se refugia nos momentos críticos da vida? Ou seja, o lugar dos medos, das dúvidas e das interrogações. Não será onde ele se escondia de tudo e de todos para digerir suas situações-limite? Lugar do pranto e das lágrimas, espelho da fraqueza e debilidade humanas. Em termos figurados, não possuímos também nós a própria “figueira”? Lugar e espaço em que tropeçamos com nossa fragilidade e nudez. Momentos em que tudo se faz escuro e a existência balança com perigo em um fio tênue sobre um abismo sem fundo. Bate à porta o receio do fracasso e da impotência.
“Eu o vi debaixo da figueira”, diz o Mestre ao discípulo. Talvez por isso mesmo, o chama para segui-lo. Ao cruzar o deserto da vida, marcado pela solidão e por esses pontos de tormenta, Natanael terá amadurecido. Conhecendo suas limitações humanas, encontra-se mais preparado para compreender e aceitar os pontos fracos de outras pessoas. Já passou pela prova do encontro difícil consigo mesmo, podendo agora seguir os passos do Mestre ao encontro dos pobres e dos pecadores. O chamado de Jesus ressoa num coração calejado pelas tempestades da travessia. Tendo maior consciência de si, pode ser discípulo e depois missionário.
Efetivamente é ali, “debaixo da figueira”, que tomamos as decisões cruciais da vida. Basta fazer uma retrospectiva da própria vocação. Ela está pontilhada de encruzilhadas tortuosas, as quais pressupõem escolhas decisivas. A resposta ao chamado vocacional exige uma opção profunda e que envolve toda a existência humana. Conforta-nos saber que o Senhor nos acompanha nesses momentos de “figueira”. De fato, na trajetória da vocação, não há um “sim”, definitivo e acabado.
O chamado evolui de forma dinâmica. Repete-se a cada crise existencial. Como podemos constatar nas narrativas bíblicas – juízes, profetas, discípulos, apóstolos –, o Senhor está presente nas encruzilhadas. Envia um anjo, forasteiro ou mensageiro para evitar o desânimo e a queda. Ele nos ajuda a levantar a cabeça e retomar o caminho. São personagens que se encontram também na vida de cada um de nós: a mãe ou o pai, um outro familiar, um amigo, um companheiro de viagem, uma situação inédita de sofrimento… São vários e distintos os anjos solidários que, em meio às turbulências, colocam a mão sobre o ombro e nos estimulam na opção que, somente assim, vai se fortalecendo.
Padre Alfredo José Gonçalves, CS, pertence à Congregação dos Missionários de São Carlos (Scalabrinianos).
Que sabedoria linda