O apagão em São Paulo e a Doutrina Social da Igreja

Em outubro, São Paulo sofreu seu terceiro “apagão” em um ano, deixando mais de 2 milhões de pessoas sem energia elétrica – muitas por vários dias. Em período eleitoral, a troca de acusações entre partidos ficou ainda maior. O debate costuma centrar-se em acusações de inépcia e omissão do governante ou na crítica ao modelo de serviços públicos (estatizado ou privatizado). Contudo, estamos diante de um problema mais amplo: o efetivo controle social sobre o Estado e o mercado.

Ainda que seja um caso específico, o apagão de São Paulo tem muito em comum com a dificuldade de regulação e controle das redes sociais e da internet ou mesmo com as críticas frequentes que vêm sendo feitas ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em todos os casos, temos uma desconfiança de grande parte da população, um aparente descontrole de entes públicos (ou que prestam serviços públicos), a incerteza quanto ao seu real serviço ao bem comum. As propostas de solução mais alardeadas também costumam ter traços em comum: espera-se que os mandatários do momento tomem atitudes mais enérgicas ou, do contrário, adentra-se em intermináveis debates partidários sobre o melhor modelo a ser adotado. No fundo, temos sempre a centralização do poder nas mãos de poucos, que comprometem o bem comum por não quererem abdicar de suas prerrogativas.

A discussão sobre os modelos de prestação de serviços públicos, de relação entre os três poderes ou mesmo da democracia que desejamos são fundamentais. Mas não mudam o fato de que já temos modelos estabelecidos e que, até sua transformação radical, devem ser aperfeiçoados para se tornarem mais eficientes e transparentes. Os debates dos últimos 25 anos não mudaram o fato do setor privado ter aumentado sua presença nos serviços públicos, sem que agências reguladoras e conselhos (os quais, teoricamente, reuniriam a capacitação técnica com a participação social para gerenciar os serviços) conseguissem acompanhar essa expansão. O Poder Legislativo não parece disposto a partilhar sua autoridade para normatizar os diferentes setores, gerando morosidade e, muitas vezes, falhas por desconhecimento técnico (vide os problemas com a regulação das redes sociais). Propostas que dão mais transparência ao funcionamento do STF e garantem maior participação social na escolha de seus magistrados nunca avançam. Os órgãos de fiscalização se queixam de seu sucateamento e da falta de recursos para enfrentar as demandas crescentes.

Bento XVI, na Caritas in veritate, destacou a necessidade de um sistema com três sujeitos: o mercado, o Estado e a sociedade civil (CV 38). Sem o protagonismo da sociedade civil, nem a máquina estatal nem os mercados poderão servir efetivamente ao bem comum. O Compêndio da Doutrina Social da Igreja, por sua vez, considera que “a participação na vida comunitária não é somente uma das maiores aspirações do cidadão, chamado a exercitar livre e responsavelmente o próprio papel cívico com e pelos outros, mas também uma das pilastras de todos os ordenamentos democráticos, além de ser uma das maiores garantias de permanência da democracia” (CDSI 190).

Para construir o bem comum e uma sociedade mais democrática, é fundamental aprimorar as instituições de controle social e os mecanismos de fiscalização sobre prestadores de serviços públicos, tanto privados quanto estatais. Os políticos, de modo geral, têm muita dificuldade para agir nessa perspectiva. Por isso, trata-se de uma demanda a ser feita aos candidatos nos períodos eleitorais e acompanhada ao longo dos mandatos: qual o compromisso de cada um deles para com o controle social dos prestadores privados de serviços e da própria máquina estatal?

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