Os virtuosos viverão

Sergio Ricciuto Conte

Com a pandemia, vivemos, há um ano, um tempo atípico. As gerações que estão passando por isso nunca tiveram que viver um isolamento tão intenso, privando-se de uma vida normal, renunciando a coisas, como lazer, conviver com os amigos, ir trabalhar ou até frequentar seus ritos religiosos. Todas essas mudanças revelam a gravidade deste momento.

Dois termos entraram na moda: empatia e resiliência. No entanto, tivemos que praticar, com maior rigor, várias virtudes humanas. O desdém de alguns setores da sociedade para com as restrições sanitárias demonstra não só uma falta de empatia, mas, também, falta de caridade e generosidade com as vidas perdidas em hospitais por falta de respiradores. 

No início de 2021, tivemos as notícias de pessoas se aglomerando no réveillon e cogitando um suposto carnaval em junho, sem levar em conta as 200 mil mortes por COVID-19 até então. Para estes que querem a festa, a celebração, fica a pergunta: onde está o luto?

Dentro de nós, há um homem novo e um homem velho. Infelizmente, em muitos casos, o velho fala mais alto. Em meio a uma pandemia, presenciamos algumas atitudes de desrespeito coletivo com as vidas que estão se perdendo e o momento de luto de seus familiares.

“Atualmente, o paradoxo é que percebemos a necessidade de cada pessoa cooperar com as outras justamente quando devemos nos isolar de todos por razões de saúde. No entanto, é um paradoxo apenas aparente, pois o ato de ficar em casa constitui um gesto de profunda solidariedade. É ‘amar ao próximo como a si mesmo’. Outra lição que a pandemia nos ensina é que, sem solidariedade, liberdade e igualdade não passam de palavras vazias” (palavras do Papa Francisco, proferidas na Academia de Ciências do Vaticano, citadas por João Cortese, em “Heroísmo silencioso”).

Ficar em casa é um ato de amor pelo outro. No entanto, o amor é difícil, pois se baseia na constância e em pequenos atos imperceptíveis aos olhos humanos, realizados por heróis escondidos que não necessitam de aplausos.

Já as aglomerações indesejáveis em tempos de pandemia, o discurso de menosprezo aos efeitos do vírus, frente a mais de 270 mil mortos e o desdém a quem luta para minimizar os efeitos dessa doença, nos mostram o egoísmo explícito em nossa sociedade e a objetificação da vida alheia, tão cara a nós, cristãos. Em tempos atuais, todo tipo de aglomeração desnecessária não deixa de ser um atentado contra a vida do outro.

Por outro lado, deparei-me fazendo um julgamento moral de quem não respeitava a quarentena, rompendo até laços de amizade com pessoas que eu via na rua sem máscara, rotulando-as de ignorantes e genocidas. Apesar de ser bem avesso a essa forma de pensar, percebi que meu julgamento poderia estar imbuído de muito ódio e pouco amor.

Muitos aderiram a esta maneira de pensar, pois não têm o que comer e estão desesperados. Outros tantos podem não agir por maldade, mas, infelizmente, não querem renunciar a suas convicções.

São Josemaria Escrivá dizia que “as crises mundiais são crises de santos”. A pandemia chegou para mostrar justamente isso. Estamos carentes de amor. Busquemos o caminho das virtudes, pois este criará uma sociedade melhor.

Muitos se questionam se a solidariedade que comoveu a todos no início da pandemia irá se perpetuar após este período. Olhando com um olhar apenas humano para tudo o que tem ocorrido, parece que não. Se olharmos, porém, por uma ótica cristã, na qual o cair e recomeçar é uma luta diária, veremos que há esperança em uma sociedade mais virtuosa, mais solidária.

Arthur Acosta Baldin é ator e professor de Teatro, com ênfase em Arte e Deficiência.

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