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Um artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, criticando o racismo de negros contra brancos, gerou uma celeuma desproporcional, ainda que importante.
O texto elenca uma série de eventos (nenhum deles no Brasil) em que negros se voltaram violentamente contra brancos, usando justificativas raciais, do tipo “os brancos devem pagar”. Creio que a melhor crítica ao artigo é aquela que vê nos casos citados exemplos de discriminação e perseguição, mas não de racismo propriamente dito.
Discriminação e perseguição são posições individuais, mesmo quando são dominantes na sociedade. Uma pessoa sempre poderá dizer “eu não quero ser conivente ou compactuar com a discriminação e a perseguição racial”
A palavra racismo, na acepção que vem sendo usada atualmente, é estrutural, no sentido de que a forma de organização da sociedade leva a ele. Uma pessoa, mesmo que não queira discriminar e perseguir, se insere obrigatoriamente na sociedade a partir das estruturas dadas e por isso se beneficia ou se prejudica com as relações étnicas existentes.
Uma comparação ilustrativa se refere à situação dos negros e dos judeus. O antissemitismo é um fato, mesmo no Brasil. Ninguém pensaria, contudo, em fazer um programa de cotas raciais para judeus nas universidades. O antissemitismo, em nosso País, é cultural e pouco comum, enquanto a condição do negro é dominante e determinada não apenas por aspectos culturais, mas também pelas estruturas econômicas, sociais e políticas da sociedade.
Problemas de discriminação e perseguição podem ser resolvidos com medidas policiais e ações educacionais. Já o racismo estrutural necessita de “ações afirmativas”, medidas institucionais que mudem a forma pela qual a sociedade se organiza.
Vendo sobre esse prisma, a sociedade brasileira enfrenta sérios problemas de racismo estrutural – que tendem a permanecer ocultos quando condenamos atitudes individuais de discriminação e perseguição, mas não enfrentamos o problema das desigualdades estruturais.
O artigo que causou a celeuma, contudo, usava a discussão sobre racismo para atacar outro problema: o identitarismo. Trata-se de uma posição que vê a própria identidade, seja étnica, cultural ou política, como a única justa e confiável; acreditando que o outro é sempre mal-intencionado, traiçoeiro e merecedor de discriminação e perseguição. Ações identitárias são necessárias e importantes, a crítica ao identitarismo se refere àquelas ações que não apenas afirmam a própria identidade, mas querem desqualificar e até perseguir as demais.
O multiculturalismo tem muito a ver com esse problema: percebeu a pluralidade de culturas nas sociedades complexas e reconheceu o direito à existência que todas têm, mas frequentemente as imaginou como unidades isoladas obrigadas a se defender – de forma até agressiva – das demais.
O Cristianismo, idealmente, sempre defendeu um “encontro de culturas”, a possibilidade de que as culturas se encontrassem e cada uma absorvesse o que há de melhor nas demais. Essa postura ideal muitas vezes foi deturpada e instrumentalizada ao longo da história, e devemos reconhecer nossos erros, mas assumi-los deve nos levar a manter ainda mais vivo o ideal.
Por outro lado, o cancelamento cultural e a “perseguição educada” que os cristãos vêm sofrendo no mundo atual têm levado muitos deles a uma defesa “identitarista” da fé, supondo que todos os que dizem comungar dos nossos valores são obrigatoriamente bons e devem ser apoiados e aqueles que não seguem esses valores são maus e devem ser perseguidos, até fisicamente. Temos que tomar cuidado para não nos tornarmos justamente aquilo que queremos combater!
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