Ser feliz na própria vocação

Todo ser humano, homem ou mulher, é chamado por Deus à felicidade. O próprio dom da vida é um convite à realização plena. Disso decorre que o termo vocação, celebrado liturgicamente durante o mês de agosto, tenha a ver não somente com os ministérios ordenados (bispos, padres, diáconos), mas com todos os filhos e filhas de Deus que habitam a face da terra. Duas coisas são relevantes para a resposta e realização dessa dádiva divina: descobrir o quanto antes a própria aptidão e ler com discernimento os “sinais dos tempos”.

As aptidões humanas, como bem o reconhece o apóstolo São Paulo, são múltiplas e muito variadas. Umas mais teóricas, outras mais práticas; umas voltadas para a evangelização, outras para o ensino; umas ligadas ao cultivo da terra, outras aos afazeres da cidade; umas sensíveis à cura e ao cuidado da vida, outras às artes em todas as suas expressões; umas dedicadas à produção de bens e serviços, outras à preservação do meio ambiente e à biodiversidade; umas direcionadas ao gosto e à culinária, outras à arquitetura ou engenharia; umas advogando os direitos humanos, outras defendendo os mais pobres e vulneráveis…

A lista poderia estender-se por outros parágrafos. Essas aptidões, desde cedo, nascem e crescem no interior da família. Se e quando devidamente cultivadas, podem dar origem a um serviço único e irrepetível na história de cada pessoa. Daí a importância de descobri-las, no sentido de orientar suas energias e seu poder afetivo para o cumprimento de determinada profissão. Está em jogo não apenas um direito e um dever, mas também a realização da felicidade. Nada torna o indivíduo mais feliz do que trabalhar num campo em que se sente bem e, ao mesmo tempo, poder fazer felizes outras pessoas. Realizar a própria vocação e servir os irmãos.

A outra maneira de orientar o caminho a ser tomado consiste em manter atualizada uma leitura dos “sinais dos tempos”. Esta expressão, extraída dos relatos evangélicos, ganhou terreno fecundo nos documentos da Doutrina Social da Igreja. A ela se refere com ênfase o Concílio Vaticano II e outros eventos que levaram adiante duas intuições. Neste acaso, ademais de olhar para a aptidão de cada ser humano, a energia do dom vocacional nos convida a olhar ao redor. A pergunta a ser feita é muito simples: nas circunstâncias sócio-histórico do momento atual, em que posso desempenhar melhor um compromisso com a justiça, o bem-comum, a fraternidade, a solidariedade e a paz? Aqui também está em jogo a realização pessoal.

Nessa encruzilhada, as duas coisas se entrelaçam e podem complementar-se. Isto é, a aptidão de cada indivíduo pode ser direcionada para as necessidades básicas mais urgentes da população como um todo. A tendência individual, a bem dizer, soma-se e casa-se com determinada carência social. A pessoa orienta suas energias para um serviço aos pobres e excluídos, aos doentes e indefesos, aos marginalizados ou vulneráveis. Não seria exagero a esta altura falar de dupla felicidade. Feliz quem descobre seus dons e os põe em comunhão com os que sofrem; felizes e abençoados estes porque poderão contar com uma doação mais integral.

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