No mês que passou, dois grupos de cristãos, um russo e outro ucraniano, resolveram assistir juntos a um grande evento cultural católico na Itália. Após alguns dias de convivência, uma jovem russa descobriu que o senhor ucraniano a seu lado havia perdido o filho na guerra. Comovida, em prantos, abraçou-o, pedindo perdão porque seu povo havia assassinado, na guerra, o filho dele. O ucraniano, também comovido, a abraçou, dizendo que entendia que o povo russo não era o culpado da morte de seu filho.
Russos e ucranianos, israelenses e palestinos, muçulmanos e cristãos na África e na Ásia… mas também nós, entre julgamentos e pedidos de anistia… Todos precisamos muito de perdão e reconciliação. Neste momento particularmente conflitivo e truculento de nossa história, quero deixar claro que não desejo tomar partido de uma posição ou de outra. Não porque eu mesmo não tenha a minha posição, mas porque entendo que minha experiência cristã me pede um passo atrás, uma “suspensão do juízo”, não para me omitir, mas sim para poder julgar com um olhar mais cristão.
O Papa Francisco postulava: “O conflito não pode ser ignorado ou dissimulado; deve ser aceito. Mas, se ficamos encurralados nele, perdemos a perspectiva, os horizontes reduzem-se e a própria realidade fica fragmentada […] Perante o conflito, alguns limitam-se a olhar e passam adiante como se nada fosse […] Outros entram de tal maneira no conflito que ficam prisioneiros, perdem o horizonte […] Mas há uma terceira forma, a mais adequada, de enfrentar o conflito: é aceitar e suportar o conflito, resolvê-lo e transformá-lo no elo de um novo processo. ‘Felizes os pacificadores’ (Mt 5,9)! Deste modo, torna-se possível desenvolver uma comunhão nas diferenças, que pode ser facilitada só por pessoas magnânimas que têm a coragem de ultrapassar a superfície conflitual e consideram os outros na sua dignidade mais profunda […] A unidade é superior ao conflito” (Evangelii gaudium, EG 226-228).
A unidade é superior ao conflito não porque irá vencê-lo pela força, mas sim porque oferece soluções melhores para a construção do bem comum. Mas implica esse coração magnânimo que é capaz de perdoar e de estender a mão ao outro, reconhecer a sua dignidade. Entretanto, nossa cultura frequentemente, na busca por justiça e paz, percorre o caminho oposto àquele que deve ser trilhado para se construir esta unidade daqueles que estão realmente comprometidos com o bem comum.
Nas diferenças, a unidade não pode ser construída sem perdão. Mas não há espaço para o perdão onde não existe o reconhecimento da culpa. Para usar uma linguagem católica, o perdão exige o arrependimento – ou se tornaria pretexto para a impunidade. O relativismo, contudo, criou uma situação ambígua – hoje em dia compartilhada por esquerdas e direitas. O que interessa são as narrativas, não os fatos. Cada um escolhe a narrativa que mais lhe agrada, sob o pretexto de que os outros também fazem o mesmo. Não há reconhecimento do erro, porque cada um escolhe a narrativa perante a qual pode se apresentar como inocente.
É verdade que existem muitas narrativas, que por vezes se contradizem. Somos chamados não a escolher uma ou outra, mas sim a acolher todas e buscar sempre uma síntese mais abrangente, que dê conta da complexidade da realidade, das riquezas e contradições de nossa humanidade e daquela de nossos irmãos. Só reconhecendo a realidade tal como ela é, julgando sem truculência, buscando a unidade e a reconciliação, seguiremos um caminho cristão e poderemos realmente construir o bem comum.