Quando falamos das Sagradas Escrituras, todos somos capazes de apontar nosso livro preferido ou então aquelas passagens prediletas, e há um motivo para que seja assim.
Apesar de terem sido compiladas em um único livro, a Bíblia não é comparável a qualquer outro: um romance, um livro infantil ou até mesmo os conteúdos filosóficos dos pensadores gregos. Há algo a mais ali.
Sabemos que as Sagradas Escrituras foram inspiradas pelo Espírito Santo e, por isso, dizemos que a Bíblia é a “Palavra de Deus” e a adjetivamos, sem pensar, como “Palavra Viva”. Mas o que isso significa?
Sempre que tratamos sobre isso, eu me lembro da seguinte passagem: “Porque, assim como a chuva e a neve descem dos céus e para lá não tornam, mas regam a terra, e a fazem produzir e brotar, dando semente ao semeador e pão ao que come, assim será a palavra que sair da minha boca: ela não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz, e prosperará naquilo para que a enviei.” (Isaías 55,10-11).
Mas como um texto escrito há tanto tempo pode estar vivo? Quando lemos um bom livro, algo fica em nossa lembrança ou ressoa em nosso coração. Já tivemos a experiência de voltarmos a um mesmo livro anos depois, e notarmos que não aqueles, mas outros trechos nos chamaram atenção, mas não sabemos dizer o porquê.
Com a Palavra de Deus acontece algo semelhante, mas profundamente mais transformador. A cada contato com o mesmo texto, a mesma parábola que já ouvimos uma centena de vezes, conseguimos perceber como Deus nos fala quando abrimos nosso coração.
É muito mais do que um trecho que nos chama a atenção, é um recado que recebemos diretamente em nossos corações. Muitas vezes, uma resposta para as dúvidas da vida, outras apenas um afago na alma.
Nas aulas de Catequese, procuramos sempre ler a Palavra de Deus. Ela não apenas comprova aquilo que estamos ensinando, mas tem um impacto muito mais profundo. Ela carrega um poder que supera a capacidade da Catequese, ou do próprio catequista, de adentrar na alma dos catecúmenos e lhes falar diretamente ao coração, o que me faz lembrar de uma das passagens de que mais gosto: a dos discípulos de Emaús.
No episódio, eles encontram Jesus sem O reconhecer. Entristecidos, contam sobre a crucificação, e Jesus os repreende e lhes conta sobre a Palavra de Deus:
“‘Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram! Não era preciso que o Cristo sofresse tudo isso para entrar na sua glória?’ E, começando por Moisés e passando por todos os Profetas, explicava aos discípulos todas as passagens da Escritura que falavam a respeito Dele” (Lc 24,25-27)
E o que isso lhes causou? “Então, um disse ao outro: ‘Não ardia o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?’” (Lc 24,32).
O que aconteceu com eles é o que acontece conosco. Assim como Isabel, que sentiu o bebê tremer em seu ventre quando percebeu a presença de Deus, nossa alma estremece e nosso coração arde quando ouvimos as Escrituras.
E não é sem motivos. Nossa imagem e semelhança de Deus reconhece em sua Palavra a presença do próprio Deus. Seja para o justo, seja para o ímpio, não há como negá-la e não há como não a perceber.
Prova disso é a passagem da carta de São Paulo: “Porque virá tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina da salvação; levados pelas próprias paixões e pelo prurido de escutar novidades, ajustarão mestres para si. Desviarão os ouvidos da verdade e se atirarão às fábulas.” (2 Tm 4,3-4).
A Verdade está patente na Palavra de Deus, pois ela é viva, a própria Verdade, o próprio Deus. Para uns, os justos, motivo de graça e de encontro com Deus. Para os ímpios, porém, um terror; como que uma lança que transpassa os escudos da prepotência e lhes atinge direto a alma, que, aprisionada pelo pecado, grita em silêncio pelo criador.