Há pouco, em um portal de notícias, vi uma conhecida atriz, já perto dos 50 anos, afirmando: “Transferi minha carência maternal para os meus bichos”. Não quero julgar essa pessoa em particular, apenas reconhecer uma tendência crescente. Em outro lugar, leio que o Brasil assiste a uma humanização excessiva dos pets, e que já há vans para levá-los à creche, com mochila e recado de/ para a “professora”. Tudo isso em detrimento da geração de novos seres humanos.
Ao refletir a respeito, o psicanalista Christian Dunker pensa em “um certo narcisismo humano, que é a busca por um amor dadivoso, de alguém que está sempre disponível, sempre querendo carinho, sempre disponível. Isso é um amor de ‘baixa qualidade’ e pode trazer problemas de expectativa de como cada um ama e quer ser amado”. Que diferença para uma criança! A criança é geniosa, birrenta, logo aprende a dizer “não”, sempre exigindo muito dos pais. As dores do parto que a mãe experimenta ressoam ao longo dos anos para ambos os pais, até que o novo ser humano possa ter a autonomia que se espera.
Não se trata aqui de desqualificar a importância de certas espécies animais para o ser humano e o cuidado que se deve ter com eles. Os pets (antigamente os chamávamos de “mascotes”) merecem o nosso cuidado e, de fato, propiciam-nos momentos de contentamento. O que está em jogo é uma inversão de valores, em que o auxiliar (o animal) toma o lugar do central (os filhos), e toda uma indústria de produtos e serviços apoia tal inversão. Onde encontrar, então, um amor de “alta qualidade”?
É o amor incondicional dos pais que reflete adequadamente o ágape cristão, a solene afirmação de Jesus de que “não há maior amor do que dar a vida por seus amigos” (João 15,23). É triste ver que as estruturas culturais, econômicas e políticas já não valorizam isso. De fato, quando um casal decide ter filhos acaba subordinando essa decisão a fatores de ordem econômica, emotiva, de carreira etc… Tal subordinação não é um simples capricho do casal, é impulsionado pelo contexto em que se vive, que desvaloriza e relativiza cada vez mais a família tradicional.
Este é o momento em que urge o testemunho do casal cristão. Viver as três virtudes teologais (fé, esperança e amor) significa acolher os filhos, em meio a toda dureza que tal decisão certamente traz. Não se trata apenas de dever (“crescei e multiplicai-vos”), cálculo (é preciso manter a taxa de natalidade em um nível ótimo), de sacrifício (suportar as agruras da parentalidade), mas efetivamente de se chegar a um estágio de felicidade serena que advém de viver o crescimento da família como graça, ver a face do Cristo naquelas crianças barulhentas que nos cercam. Esta vivência torna o círculo familiar natural e é a coisa certa a se fazer (não só para os cristãos, mas para todas as pessoas de boa vontade) em meio aos modismos e descomprometimento de influencers e famosos que tanto transitam pelas nossas redes sociais.
Como sempre, vai ao ponto central!