Princípios irrenunciáveis e política no Brasil

Em períodos eleitorais, nós, católicos, voltamos a ouvir falar com frequência nos “princípios irrenunciáveis”, destinados a orientar nosso voto e a conduta dos eleitos. Se tantos os citam como critérios de conduta, tantos outros os olham com desconfiança, acusando os demais de estarem usando ideologicamente a Doutrina Social da Igreja – sintoma das dramáticas divisões que afetam a nós, católicos, em nossa dificuldade para conciliar pluralidade e unidade.

Essas dificuldades nascem, em grande parte, do interesse que os grupos partidários têm de conseguir o voto católico. Cada um procura “filtrar” a Doutrina Social da Igreja a partir de suas convicções, tentando mostrar seus candidatos como os únicos que se adequam aos princípios propostos pelo Magistério.

O candidato ideal, perfeito tanto na teoria quanto na prática, não existe, por um motivo muito simples: todos eles são seres humanos limitados e sujeitos ao pecado – como nós mesmos, diga-se de passagem. Os partidos, enquanto agremiações que fatalmente incluem pessoas diferentes, tampouco podem ser perfeitos. A história recente mostrou os limites e as decepções trazidas pelos partidos autodenominados “democracias cristãs”, que muitas vezes usavam o Cristianismo de forma falsa e demagógica.

Esses princípios foram muitas vezes denominados como “inegociáveis”. O termo pode ser usado se entendemos que eles não podem ser sacrificados em negociações que visam ao poder ou a outros ganhos menos fundamentais. Contudo, a política é a arte da negociação, e o próprio documento que os apresenta dá exemplos de negociações que podem se tornar necessárias para defendê-los ou minimizar o efeito de leis contrárias a eles (cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política, 2002).

O maior problema para o justo entendimento desses princípios, contudo, é uma visão reduzida de sua aplicação, orientada por um falso “realismo político”. Muitos acreditam que chegar ao poder é a única forma de conseguir aquilo a que almejamos. Assim, é realista sacrificar qualquer ideal para se chegar ao poder. Uns, em nome da opção pelos pobres, deixam de lutar contra o aborto. Outros, em nome da defesa da vida, fecham os olhos à situação dos mais pobres.

Quando caímos nesses reducionismos, perdemos a unidade e a coerência interna do Magistério católico, permitindo a instrumentalização da Doutrina Social e dando razão às dúvidas de nossos irmãos. A postura justa é aquela de sempre buscar uma visão integral e unitária de todos esses princípios, orientada ao diálogo e à construção do bem comum.

Sem fazer um elenco completo, mas procurando apenas dar exemplos, a Nota doutrinal já citada lista cinco “princípios irrenunciáveis”: (1) o direito à vida, (2) a proteção e promoção da família, (3) a liberdade – em particular religiosa e de educação, (4) a economia a serviço da pessoa e (5) a construção da paz. Todos são irrenunciáveis, não podemos escolher um e esquecer outros.

Se nossos candidatos ou grupos políticos traem algum desses princípios, nosso dever é alertá-los e exortá-los a uma adesão mais completa e integral a todos eles – mesmo que isso signifique uma perda política. Podemos chegar até ao ponto de deixar de darmos nosso apoio a eles. O que não podemos é fechar os olhos quando abandonam algum desses princípios, com alegações como “o adversário faz pior” ou “temos que aceitar isso para defender aquilo”.

guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Veja todos os comentários