Pronomes de gênero

Por causa de movimentações nas redes sociais e de alguns discursos políticos, tem-se começado a trazer ao Brasil a discussão sobre os chamados “pronomes de gênero”. Em linhas gerais, os defensores da novidade argumentam que o fato de “ser homem” ou “ser mulher” iria muito além da mera realidade biológica, e englobaria um complexo de outros fatores, reunidos sob o nome de “identidade de gênero”. Segundo essa teoria, os elementos pessoais objetivos e externos (como as feições, a anatomia ou mesmo o DNA) seriam insuficientes para discernir com segurança o gênero de alguém, de modo que somente o próprio indivíduo, na intimidade de sua mente, estaria em condições de definir a qual gênero pertence – e seu juízo não estaria limitado por uma lista pré-fixada (que hoje já inclui termos como “bigênero”, “demigênero”, “gender bender”, “genderqueer” etc), mas poderia sempre identificar-se como o primeiro exemplar de um gênero ainda não catalogado. A teoria continua ainda dizendo que as pessoas “não-binárias” possuiriam também a prerrogativa de definir quais pronomes pessoais lhes são aplicáveis – pois chama-las pelos tradicionais “ele” e “ela” ser-lhes-ia uma prática ofensiva e violenta.

Algum leitor pode pensar tratar-se de um cenário irrealizável e fantasioso – mas quanto à seriedade da questão, basta citar o caso do Canadá, que em 2016 aprovou uma lei (Bill C-16), tornando ilícito o uso dos pronomes tradicionais para se endereçar a pessoas que tenham “pronomes de preferência”. E nos últimos meses, em nosso País, não têm faltado eventos públicos oficiais em que são saudados “todos, todas e todes” (sic) os presentes…

Uma vantagem de vivermos em um regime democrático é que, ao mesmo tempo em que uns podem apresentar suas propostas e argumentos, os outros podem oferecer, de forma séria e respeitosa, críticas e contra-argumentos. Quais problemas, então, poderíamos apontar na tal proposta dos “pronomes de gênero”?

Em primeiro lugar, há o grave problema de que, sendo cada indivíduo livre para se identificar em um gênero inédito, a teoria dos pronomes de gênero geraria, com o tempo, um número exponencial e impraticável de pronomes, que inviabilizaria sua utilização. A cidade de Nova Iorque, por exemplo, já publicou cartilhas reconhecendo ao menos 31 identidades de gênero distintas… E nem se diga que a solução estaria em estipular um número limite, um “teto”, para o número de gêneros (“a partir de agora, cada um deve escolher não mais entre dois gêneros, senão entre 5, 10 ou 20”) – pois tal proposta redundaria no mesmo problema que supostamente veio para solucionar. Afinal de contas, se o projeto era rejeitar o sistema tradicional do “ele” e “ela” pela suposta discriminação aos que não se sentem representados por essa listagem, o que justificaria a adoção obrigatória de uma nova listagem, contra a vontade dos que tampouco se sentem representados por ela?

Em segundo lugar, hoje há pessoas que se identificam como “trans-espécie” ou terianos (homens que se sentem como lobos), como “trans-raciais” (caucasianos que dizem ter nascido no corpo errado, e na verdade serem asiáticos); e trans-idade ou “transage” (como o canadense Stefonknee Wolscht, pai de 7 filhos que, aos 46 anos e depois de 23 anos casado, descobriu ser uma menina de 6 anos, abandonou a família e foi “adotado” por um casal de idosos…). Se adotarmos a livre identificação pessoal como critério soberano para a deificação da identidade de gênero a coerência não nos levaria também a admitir todos esses outros fenômenos?

Em terceiro lugar, no entanto, o grande erro da proposta dos pronomes de gênero (e da própria ideologia de gênero em si mesma) é filosófico. Se “homem” e “mulher” não são mais entendidos como conceitos com certa carga de sentido essencial, então as frases em que os atribuímos a tal e qual pessoa ficam automaticamente carentes de qualquer sentido necessário. Em outras palavras, quem define “mulher” como “a pessoa que se identifica como mulher” incorre na falácia lógica da definição circular, e transforma o “ser mulher” num mero ruído sonoro, que já não simboliza nenhuma realidade substancial em si mesma.

Amemos, sim, nossos irmãos e irmãs que experimentam angústias com relação à sua identidade masculina ou feminina, mas não sacrifiquemos a verdade em nome de uma falsa compaixão.

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André Herck
André Herck
11 meses atrás

A crônica traz uma boa reflexão sobre o individualismo demasiadamente humano. Falta de orientação em Deus, na minha visão, leva a essas ideologias.
Como diria Chesterton “A maior falácia do nosso tempo é o sujeito acreditar em si mesmo”. E Deus?