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Quando a alegria tem um nome

Há momentos em que a vida, tão empenhada em repetir-se, suspende o andamento das coisas e nos devolve à pergunta que evitamos formular. O Natal é um desses momentos. As cidades abrandam, as vozes perdem a habitual arrogância e, por uma convergência entre memória e consciência, percebemos que há algo de mais profundo sob a superfície previsível do mundo. 

É um convite — firme e silencioso — a reconsiderar o essencial, e que alcança os que creem e os que já não sabem em que crer; os que festejam cercados de gente e os que atravessam dezembro acompanhados da própria solidão. O Natal — quando levado a sério — não decora: desinstala. Perturba a leveza artificial que nossa época cultiva e expõe aquilo que preferimos manter nos bastidores: a vulnerabilidade. 

No centro desse acontecimento, há uma escolha que desafia a lógica do poder. Deus entra no mundo como criança. Nenhum poder explicaria tamanha simplicidade; e, no entanto, é nela que se esconde a força. “Nasceu para vós um Salvador”. Uma criança. Nada além disso — e nada menos do que isso. 

Um recém-nascido não ameaça ninguém; mas poucos encontros transformam tanto uma vida. O Cristianismo começa assim: não como tese, mas como experiência. Reduz-se a fé à doutrina ou ideologia quando, em sua origem, ela é encontro — e nada mais. 

Santo Antônio condensou essa verdade com uma imagem de desarmante sobriedade: “Deixa que Cristo seja o ar que respiras.” Não um adorno espiritual acrescentado à existência, mas a condição vital que a sustenta. Não um discurso paralelo à vida, mas aquilo sem o qual ela perde densidade. 

E esse encontro não exige qualificações. Não pede serenidade, nem segurança, nem clareza. Às vezes, basta uma ferida: é ela que abre passagem ao que não podemos produzir. Há no ser humano uma inquietação que não se deixa pacificar por conquistas ou distrações. A alegria cristã — tantas vezes caricaturada — nasce quando essa inquietação encontra repouso; por isso resiste ao humor dos dias e, por ser dom, não se desfaz. Não depende das circunstâncias. 

Vivemos em um tempo que fez da inquietação um hábito e do ruído uma indústria. Algoritmos antecipam pensamentos, opiniões substituem reflexão, e o silêncio tornou-se território suspeito. Multiplicam-se estímulos, urgências, ocupações — e, ainda assim, cresce um vazio que nenhuma delas resolve. Talvez porque o essencial não se produza: recebe-se. Há inquietações que não pedem movimento, mas repouso. 

Georges Bernanos escreveu como quem luta contra a noite e, nessa luta, afirmou: “Tudo é graça.” Não é consolo estético; é diagnóstico. A fé começa onde a teoria se esgota: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). 

O Natal não nos oferece desculpas nem condenações apressadas. Apenas nos devolve ao que ainda somos capazes de esperar. Recorda que há um Bem mais sólido que o medo, uma ternura mais resistente que nossas quedas, uma esperança que não se deixa intimidar pelas estatísticas do desânimo. E essa esperança tem nome: Jesus – o que lhe confere densidade e exigência. 

Dom Erik Varden, Bispo de Trond-heim, na Noruega, ao ser questionado sobre o maior obstáculo do homem contemporâneo para encontrar Deus, respondeu: não é a crítica intelectual nem o progresso técnico, mas a dificuldade de acreditar, de verdade, que somos amados. E acrescentou: o ser humano ainda não compreendeu seu potencial para a vida eterna. 

Talvez seja aí que tudo se decida. Não na ausência de respostas, mas na recusa de aceitar que a existência não se esgota no imediato; de que somos amados e chamados a reconhecer esse amor na caridade, na qual Cristo nos espera. 

Por isso a pergunta decisiva não é “Existe Deus?”, sempre insuficiente na abstração. A pergunta verdadeira é outra — mais direta, mais exigente, mais pessoal: “O que muda em mim agora que Ele veio – se é no próximo que O encontro?”. 

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