Rasgai o coração e não as vestes!

É com estas palavras do profeta Joel que a liturgia da Quarta-feira de Cinzas nos conduz ao espírito quaresmal, indicando-nos a conversão do coração, dimensão fundante deste singular tempo de graça que agora nos preparamos para viver. Iniciar o tempo quaresmal, portanto, é começar a percorrer um caminho no deserto rumo a Deus: é voltar-se para o Senhor que é misericordioso e com largueza nos acolhe a todos por meio de uma reconciliação autêntica neste tempo favorável.

Este caminho no deserto será para cada um de nós, irmãos e irmãs, um tempo de compromisso espiritual que deve ser traduzido em opções e em gestos concretos, além de um empenho e uma transformação de toda a nossa existência. Sendo assim, voltar-se para o Senhor implica-nos o desapego daquilo que nos mantém distante Dele; este desapego é constitutivo para reestabelecer com Deus a aliança interrompida por causa do pecado.

Este é o dia favorável, caríssimos, de, diante do Senhor, responder ao premente apelo: “Voltai para mim” (cf. Jl 2,12)! Cada um de nós temos diante dos olhos, e trazemos impressos na nossa alma, imagens de grandes sofrimentos e tragédias, não raro fruto de um egoísmo irresponsável. Por isso, devemos voltar-nos para Aquele que hoje nos abre a porta do Seu coração, rico de bondade e misericórdia. Não hesitemos em reencontrar a amizade de Deus: encontrando o Senhor, experimentamos a alegria do seu perdão. Este dia é agora, como ouvimos no canto ao Evangelho da Quarta-feira de Cinzas: “Hoje não fecheis os vossos corações, mas ouvi a voz do Senhor”. Ouçamos a voz do Senhor que nesta liturgia, por meio da imposição das cinzas, nos chama à mudança interior e nos recorda a precariedade da nossa condição humana.

Caríssimos, teremos 40 dias para aprofundar esta extraordinária experiência ascética e espiritual. Para tanto, no Evangelho da Quarta-feira de Cinzas, Jesus nos indica quais os instrumentos necessários para realizar a autêntica renovação interior e comunitária: obras de caridade (a esmola), a oração e a penitência (o jejum).

Estas três práticas fundamentais contribuirão para que cada um de nós se volte para o Senhor, nosso Deus. Entretanto, estas práticas devem ser realizadas para agradar a Deus e não a fim de obter aprovações e consenso dos homens. Tais gestos, ainda, não nascem de motivações de ordem física ou estética, mas brotam da exigência que o homem tem de um renovamento interior que o faça desintoxicado da poluição do pecado e do mal; da vontade de educar-se para a libertação do próprio “eu”; de fazer-se mais atento e disponível à escuta de Deus e ao serviço dos irmãos. Neste tempo, ainda, nossa oração deve ser sincera, uma oração que brota de um coração sedento de encontrar o Senhor, um coração humilde, dócil, obediente, cheio de amor pelo nosso Deus. A oração é uma luta, um combate, um esforço, uma disciplina, uma teimosia santa! Portanto, tomemos estas práticas quaresmais como “armas” espirituais para combater o mal, as paixões negativas e os vícios.

Neste tempo quaresmal, a Igreja do Brasil nos propõe a cada ano uma iniciativa concreta para realizarmos ações que testemunhem um profundo arrependimento e uma verdadeira conversão, em âmbito pessoal, comunitário, eclesial e social: a Campanha da Fraternidade. Este ano, a campanha traz consigo o convite a ultrapassar as barreiras geográficas do espaço com o tema “Fraternidade e Amizade Social”, a fim de cumprir o mandato de Jesus a partir do lema: “Vós sois todos irmãos e irmãs” (cf. Mt 23,8).

Queremos fazer um caminho quaresmal extinguindo as situações de inimizade que geram divisões, violência e destroem a dignidade dos filhos de Deus; despertando o valor e a beleza da fraternidade humana, promovendo e fortalecendo os vínculos da amizade social, para que, em Jesus Cristo, a paz seja a realidade concreta entre todos. Procuremos viver santamente este tempo. Que cada um prepare sua observância quaresmal e seja um tempo constitutivo de renovada experiência de conversão e de reconciliação com Deus, conosco mesmos e com os irmãos. Assim, com toda certeza, estaremos prontos para celebrar na liberdade os mistérios pascais.

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