No começo de agosto, a Prefeitura de São Paulo anunciou, em tom celebrativo, que a coleta seletiva domiciliar tem sido realizada em 100% da cidade. Este patamar, segundo a SP Regula, a agência reguladora de serviços públicos do munícipio, teria sido alcançado já em outubro do ano passado, meses após haver a renovação dos contratos com as duas concessionárias que realizam a coleta de lixo na capital paulista.
No comparativo de 2022 e 2023, a quantidade de recicláveis coletados pelas concessionárias cresceu 28%, saltando de 70,2 mil toneladas para 90,3 mil toneladas de resíduos, isso sem contar o montante que os munícipes levam diretamente aos ecopontos e aos pontos de entrega voluntária espalhados pela cidade.
Os indicadores positivos, no entanto, não são um retrato fidedigno da realidade, como é destacado pelo Caderno Laudato si’ – por uma Ecologia Integral, publicado nesta edição. Especialmente nas áreas mais periféricas, alguns munícipes asseguram nunca terem visto passar o caminhão de recicláveis – há questões de ordem prática, como, por exemplo, a topografia e a largura das ruas, que inviabilizam a passagem do veículo – e em bairros nos quais há a regularidade desse serviço semanal, boa parte da população desconhece seus horários, por ora apenas disponíveis nas plataformas digitais da Prefeitura e das concessionárias.
Os gargalos, porém, vão além da eficácia do serviço prestado. Catadores autônomos de material reciclável e gestores das cooperativas ouvidos pelo O SÃO PAULO indicam que o centro do problema é a falta de uma cultura de reciclagem: o mau cheiro nos amontados de recicláveis, por exemplo, indica que as pessoas não estão educadas para cuidados elementares, como higienizar minimamente o item que será descartado, a fim de que sua sujeira não “contamine” os demais recicláveis. Também a proliferação de pontos viciados de descarte irregular de lixo nas calçadas, na beira de rios e em áreas verdes são um alerta ao poder público de que mais valeria “contabilizar” a eficácia das ações de educação ambiental do que as toneladas de recicláveis coletadas.
Essas constatações remetem ao que o Papa Francisco disse há dez anos na encíclica Laudato si’: vive-se uma cultura do descarte que conduz os seres humanos à condição de excluídos e que rapidamente converte em lixo as coisas que poderiam ser recicladas ou reutilizadas (cf. LS 22); e, nesse contexto, como apontou o Papa Leão XIV na Mensagem para o Dia Mundial da Criação 2025, “os mais frágeis são os primeiros a sofrer os efeitos devastadores das alterações climáticas, do desflorestamento e da poluição, [de modo que] cuidar da criação torna-se uma questão de fé e de humanidade”.
Diante disso, algumas posturas são esperadas de todas as pessoas de boa vontade: a mais elementar é a de separar, em casa e no trabalho, o lixo comum daquele que pode ser reciclado, além de buscar informações para o correto descarte de itens volumosos, como móveis e colchões. Também que ajudem a difundir informações sobre como fazer a reciclagem, além de ter uma postura de vigilância e cobrança sobre a eficácia do serviço prestado pelo poder público.
Como aponta o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, “o Magistério enfatiza a responsabilidade humana de preservar um ambiente íntegro e saudável para todos” (CDSI 465). Neste mesmo parágrafo, é citada a mensagem de São João Paulo II aos participantes de um congresso sobre ambiente e saúde, em 1997, cujo teor se mantém atualíssimo: “A humanidade de hoje, se conseguir conjugar as novas capacidades científicas com uma forte dimensão ética, será certamente capaz de promover o ambiente como casa e como recurso, em favor do homem e de todos os homens; será capaz de eliminar os fatores de poluição, de assegurar condições de higiene e de saúde adequadas, tanto para pequenos grupos quanto para vastos aglomerados humanos”.